sexta-feira, 25 de setembro de 2009

PERCEBO

Temores
laço ao infinito apaixonar
nos idos de abril
com o negro tato da perda-infanto juvenil

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

ELA AMA QUINTANA

CASUALIDADE
GENEROSIDADE DO INSTANTE
LAMENTANDO PORQUE NÃO ANTES
QUANDO NOVIDADEIROS ERAM TEMERIDADE
PERÍCIA DO ENCONTRO
PRECIOSA PARECE ÍNTIMA
DESAVENTURA COTIDIANA
LAMENTO NÃO TE CONHECER
POETA MIL PERDÕES
POR COVARDEMENTE EVOCAR A TI
MAS O QUE FAZER SE ELA SORRI?
CUJOS LÁBIOS
TAMANHA CHAMA
AO LEMBRAR QUE TE AMA
MEU CARO MÁRIO QUINTANA AUTOR EVERALDO SANT ANA

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Desvelada

Junto à fonte
dourada veste
Universo não tão longe
O macro para o mestre
Tão perto para o monge
Mulher lua amarela
O que vier desnuda espera
luzes apartando a dor renascente
Jorra a água na alma da gente
Traído e resgatado do fim
Benzido e tão amado assim
Construtor defende o ombro
Transforma templo o que era escombro!!!

domingo, 13 de setembro de 2009

Trancendendo

Daqui, da torre ao lado do Mestre...
Ver o mundo, as planícies
O tempo passando para passar a maneira como o vemos
Saber que o amor verdadeiro é o que transcende
Se desprendendo da visão profana
Que o amor sublime o é para quem o eterno ama
Nos veremos sem depender desta vida
Não é o egoísmo que reje
É o cosmo que pede
Que pelo etéreo se vele


Meu poema mais recente!Para a mais delicada das borboletas!

domingo, 6 de setembro de 2009

O LADO DE SEMPRE DESTA MINHA TELA

Eis me aqui
Em cada miligrama
A esperança de redenção
Na cabalística das artes
Sete vidas, Sétima parte
Melancólico volto para casa
Acridoce cheiro presente em quase nada
Eis me aqui
O clássico essencial de mim
Novela vaga se presta ao finito
Filho teu fugitivo dos devaneios yankees
Bravo pela generosa catarse
Viva de luminosa madre
Criadora de cientistas poetas
Moribundos sem morte certa
Eis me aqui
O bom e velho amante
Delirante no pedaço de fama
Criança e seu desenho de coração
Ilha numa dimensão de dó
Voraz salvador em terceiro dia
Lapso de êxtase na cintura de uma mulher
Metade de mim pela gêmea enfim
País cíclico desamor de si
Eis me aqui.
Autor:Everaldo Sant Anna(1993)

sábado, 5 de setembro de 2009

Passei num teste de um filme...mudei de escola...semana produtiva, não???Abraço!!!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Campo e mentes largas!!!!

sem poemas hj...apenas o orgulho de ter servido Campo Largo por quase seis anos!!!Obrigado por tudo amigos!!!!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

SOBRE AQUELA NOITE QUANDO VESTI NEGRO(

Pede para esqucer
Quando o sangue queima para renascer
Em lençõis de memóira que cobrem
Um bem querer e querer e querer...Jamais perder
Culpa na natureza traiçoeira?
Sou escravo sujeito a segunda pessoa
Pode compreender o desacato do fato que de fato é forte?
Perco o norte quando sujeito à sorte
E...
E talvez você nem se importe
Mas, apesar de tudo, acredito piamente
Que o mito encarne na mente
E que o mistério seja sério enquanto tanto
Findará assim
O profetizado em mim e por mim
Que dizia
Em noite de lua branca e viva
Que só acaba
Quando termina
Quando termina
Quando termina
Quando?
Quando?
Quando... Texto de Everaldo Sant Ana(1990)

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

REI(Este texto tem quase vinte anos!)

REI
TEMPERADA CARNE NUM CREPÚSCULO SANTO
DIVISOR DE MÁGOAS
OBSESSIVA PARTE NUM MAIÚSCULO PRANTO
ENTÃO PERDOA
À TOA TENHO A DOR DA BOMBA
ELA É TÃO BOA
REPOUSA EM GÓTICO PUERIL
PEDI A SOMA
DA ORDEM DE SESSENTA QUE SUMIU
SEI
SOBRE TUDO O QUE JAMAIS PASTIU
ENTÃO CANTA ESPECTRO IRMÃO
REGE CORAÇÃO NA VALA
ENTÃO CONFORTA CELESTINA VOZ
APAGA CAÓTICA PRAGA
GANHA!
PRA QUE EU ESCREVA
E SAIBA MENOS SOBRE TI

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Urbana Lâmina(Meu roteiro para o cinema.Direitos autorais reservados).Quer investir?

FUNDO ESCURO. NA TELA SOMENTE A POESIA DE HELENA KOLODY :‘’DOM : DEUS DÁ A TODOS UMA ESTRELA. UNS FAZEM DA ESTRELA UM SOL. OUTROS NEM CONSEGUEM VÊ-LA’’.

Música

(Os créditos iniciais do filme são intercalados numa seqüência de planos a definir. Sugere-se, nesta seqüência, a utilização de imagens noturnas de Curitiba projetadas sobre lâminas de diversos tipos e formas.)

01. EXTERIOR/ NOITE. CURITIBA. BECO ESCURO E SUJO. GATOS PRETOS E CÃES REMEXENDO O LIXO. NEBLINA


00.0 h. CENTRO VELHO DE CURITIBA

(Dom, Lúcio e Loro estão sentados em uma escada de um velho prédio. Dom olha para o céu, Lúcio cabisbaixo coça a própria nuca e Loro bebe Vodka.)

LÚCIO

Mas que programa de índio, hein? Antigamente isto não era diversão pra você!

DOMQue posso fazer? Não dá pra ver o eclipse com uma noite tão nublada.

LOROE aqui tá gelado também.

LÚCIODane-se! Tenho coisa melhor pra fazer!’’Vambora’’!

(Lúcio faz gesto para que Loro passe a garrafa de Vodka. Loro vira a garrafa mostrando que está vazia. Imediatamente Lúcio dá um tapa na nuca de Loro que, reagindo, ameaça pegar uma arma.)

LÚCIO

Ei Loro! Calma lá! Se sacar tem que usar! Se deixar de ser essa bicha que tu sempre foi vai pegar o berro e meter uma ‘’azeitona’’ bem no meio dos meus cornos, não vai? Vamos filho ‘’duma’’ puta, quero ver se tem culhão pra isso! Vai viadinho! Que tu tá esperando?

DOM

Pára com isso Lúcio!

LÚCIO

Me deixa! Não te mete!

LORO

Pô Lúcio...Tá me estranhando? Deixa disso! Tá maluco?

(Rapidamente Lúcio consegue pegar a arma de Loro. Passa a agredi-lo impiedosamente, até ser finalmente contido por Dom. Loro se contorce de dor.)

LÚCIO

Porra Dom! Me larga cacete!!

DOM(Soltando Lúcio)

Que que te deu Lúcio?

LÚCIO

Só quero dar uma liçãozinha neste palhaço!

DOMJá deu! Agora pára!

(Os apelos de Dom não bastam e Lúcio agarra Loro pela gola da camisa.)

LÚCIO

Nunca...Nunca mais pense em sacar um berro pra mim, valeu? Eu te esgoelaria mesmo que fosse meu irmão!

(Loro está petrificado de susto. Dom, perplexo, permanece parado.)

LÚCIO

Ei...Fique frio! Fique ‘’gelo’’! É apenas...Apenas modo de falar...Eu não faria mal a você Dom...Tudo bem, você é só meu meio-irmão, mas...que diferença faz não é? Além do mais...Você não seria burro o bastante pra apontar um berro pra mim, seria?

DOM

E se as palavras cortarem como espada?

LÚCIO

Como é que é?

DOM
Deixe par lá!

LÚCIO

Esse...esse negócio de eclipse...É coisa de viado, não é não?(Risadas)

(Dom permanece calado, aparentando sentir tédio com a situação.)

LÚCIO

Já sei! É coisa de artista:- ‘’Estou vendo o eclipse pra buscar inspiração pra escrever, pois passar o dia sentado na privada já não tá dando mais liga”! Há! Há! Há!

DOM

Às vezes você é um completo cretino meu querido meio-irmão.

LORO

Ele te xingou! Não vai bater nele também?

LUCIO

Mas tu é mesmo uma besta! É diferente! Aqui entre eu e ele é irmandade, é máfia! Deixa que com o boiola aqui eu me entendo....Ele tá se achando o tal porque vai fazer uma propagandazinha amanhã!...Só levando na cabeça pra acordar! Tss, tss...

DOM

Pra você que é o terror do Jiu-Jitsu, não deve ser muito difícil me bater. Não é Lúcio?

LOROTá intimado! Cai dentro ‘’Pittbull’’!!

LÚCIO(PARA LORO)

Tem gente que quer fazer uma visitinha pro Raul Seixas ainda hoje, não é não? Pegar um trem só de ida pra ter com o ‘’Maluco Beleza’’!...Vê se cala a boca otário!!...(Passa a arrumar a gola da camisa de Dom)...Olha aqui Dom...Tu não me fez nada entendeu? Pra mim, sacar o berro e não atirar é o maior vacilo e ele já teve o que merecia....E, pensando bem...Ultimamente o irmãozinho já tem levado umas belas surras da vida! Eu é que não vou piorar as coisas, vou?

DOMMeia-noite...Pra você Lúcio, o turno pode estar começando, mas pra mim, já deu! Fui!

LÚCIOPorra, qual é?

(Dom segue seu caminho sem olhar para trás.)

LÚCIOMas tu tá cheio das frescuras mesmo hein?!Quem te viu, quem te vê!

(Dom se afasta mais ainda sem responder às provocações de Lúcio. Dom some na neblina.)

LÚCIO(GRITANDO)

Diversão! Teu problema é diversão! Se quiser arranjo pra ti qualquer barato! Tem um lance novo dos gringo que vou te contar! Tu só vai parar quando estiver morto, de tão ligado que vai ficar!...Ei Dom! Que tal pegar umas vagabundas lá no Lidô?...Pô irmãozinho pelos velhos tempos hein?!(Lúcio desiste)...Qué sabê Loro:- Otário! Este daí nasceu e vai morrer otário!

(As nuvens somem do céu. Já é possível ver o eclipse da lua.)

LOROOlha Lúcio! Olha!

LÚCIO

Que que foi, ô mala?!

LOROA lua...Tá ficando negra!

LÚCIO

Tá...E daí?

LORO

Que ‘’loco’’ cara! Parece...Parece sabe o quê?

(Ponto de vista de Lúcio e Loro: O eclipse escurece aos poucos a lua.)

LÚCIOParece que está sendo devorada por uma serpente!

LOROVocê está falando que nem teu irmão!

LÚCIO

Verdade?

LOROO quê?

LÚCIO

Eu...Falando que nem o Dom?

LORO

É...Falando ‘’gozado’’!

LÚCIO

AA, Deixe de asneira!

LORO

Diz aí...Onde fica a parada que você falou pro Dom?

LÚCIO

Agora tu tá ficando esperto né safado?...Se comprar uma outra garrafa de vodka, talvez eu te mostre.

CORTE

02. INTERIOR/NOITE.APARTAMENTO DE DOM

(TV ligada. Imagens diversas passam na tela de maneira caótica. O plano segue mostrando o apartamento modesto com poucos móveis, um porta C.Ds,um aparelho de som, papéis espalhados pelo chão, e um velho colchão. A mesa ainda com o prato sujo do resto do almoço. Surge então Dom saindo do banho e olhando ao seu redor. Através do ponto de vista dele, percebemos uma foto com Dom representando Hamlet. O plano volta para ele, enrolando-se em um velho cobertor. Passa a andar pela casa como se fosse um rei.)

DOM(EM OFF):

‘’Alma...
Senha de mística origem
De tempos de vazia platéia que hão de findar!
Que fizeram do bobo do rei?
Que fizeram de tua juventude
Ninfa de delicadas mãos?
São Jorge desarmado na lua deserta
Embrenhado na secreta rua onde teu ‘’blues’’ não toca em vão
Caminhante sem chão
Na era de falência ciência do outro de outrora solar
Que passa contigo santo descalço
Nesta noite quase cigana de intensa lascívia?
Terá o santo enxugado a fétida lama de meu rosto escravo?
Quer meu vermelho pão repartido por urbana lâmina?
Ai seco existir nesta terra de um dono sem sono
Onde não há ser em servir.’’

(Dom suspira cabisbaixo e tira o cobertor de seus ombros. )

DOM(Para a câmera):

E o que será de mim? O que será de mim que não consigo montar minha própria peça? Quando terei um texto meu encenado para um grande público? Penso grande e não tenho ao menos um lar decente! Decência...Esta minha vida não é decente, esta rotina e este ‘’buraco’’ não são decentes!...Que bela merda!...Se ao menos me chamassem pra uma nova montagem qualquer, mas nem isso...Bem, não importa! Ao menos farei aquela ridícula propaganda de loja de móveis e assim ganharei o suficiente pra pagar o aluguel atrasado.

(Dom pega um C.D. da banda Chico Science)

DOM(Novamente para a câmera):

Vejam só...Chico morreu...Cazuza, Renato Russo...Neste país tem muita gente boa morrendo à toa!

(Dom liga o som e aumenta muito o volume. Começa a cantar junto e a dançar discretamente. É finalmente interrompido com fortes batidas na porta. Olha pelo olho mágico. Abre a porta. Entra, num rompante, uma garota .)

LEONA

Pelo jeito fui a primeira a chegar à festa! Uma e quinze da madrugada, mas o que é que tem não é?

A música de Chico Science pára como que por encanto.

(Ponto de vista de Dom:- Surge, em ‘’slow-motion’’,O belo rosto de Leona, uma bela garota com seus vinte e poucos anos. Ao redor dela, uma espécie de luz surge. Closes de seus cabelos e dorso se intercalam lentamente.)


( A câmera volta para Dom.)

DOM(Para a câmera):

Trinta e um de agosto...Vamos esquecer este negócio de falar sozinho e de tola rotina!


(A música de Chico Science recomeça. Mas Leona não perde tempo e ela mesma desliga o som.)

LEONA

E aí? Que tipo de doido retardado é você pra ligar o som neste volume a esta hora da noite?

DOM

Ei! Devagar! Não somos tão íntimos pra já nos ofendermos assim! Eu já lhe conheço?

(Dom desliga a TV, onde passavam cenas de uma leoa na savana africana.)

LEONALeona! Nova moradora do quarenta e três!

DOMDom...Muito prazer...Eu acho!

LEONADom?!

DOMÉ...Isso mesmo!

LEONADom...É só isso?

DOM

Domênico para os íntimos!

LEONA

Prefiro Dom!

DOMPois foi assim que me apresentei, ok?

LEONABem...Eu tenho que levantar cedo e fui acordada de meu delicioso sono!...Condomínios têm regras, sabia?

DOM

Nem me fale isso! Uma multa agora só complicaria a vida do pobretão aqui.

LEONA

E chegar com olheiras em meu trabalho não tornam as coisas mais fáceis pra mim!

DOMOlheiras? Bobagem! Eu se fosse você me preocuparia com esta mancha enorme em seu braço.

(Leona olha para o braço com o citado hematoma.Em seguida ela olha ao redor com’’ ar de desprezo’’)

LEONA

Hum...É melhor você economizar mesmo! Você precisa contratar uma empregada. Este é, sem dúvida alguma, o buraco mais sujo que já vi em toda a minha vida! É, com certeza, o mais imundo!

DOM

Sabe...Nos seriados de TV um vizinho conhece o outro pedindo um pouco de açúcar emprestado ou qualquer coisa que o valha...Dá pra você tornar as coisas um pouco mais fáceis?

LEONA

A vida não é fácil como na televisão....Parece ser pra você?

DOM

Bem, na verdade não...Mas veja... Que tal se eu lhe der o número do meu celular. Na próxima você só me liga pra reclamar. Não vai precisar nem levantar da cama.

LEONA

Muito obrigada. Mas, sinceramente, espero que não haja uma ‘’próxima vez’’.

DOM

Está certa disto?

LEONA

Certíssima!...Basta saber que sou a vizinha que ficou de saco cheio com a merda do som alto, que estava tentando dormir e que na tentativa de ficar em paz descobriu que o autor da proeza é um babaca que mal sabe bolar uma cantada!

DOM

Desculpe! Se eu soubesse que se tratava de uma pessoa tão delicada teria preparado algo mais apropriado, com pompa e circunstância!

LEONA(Fazendo sinal obsceno)

Vá se ferrar! Antes que eu me esqueça!(Ela sai.)

DOMPor um breve momento achei que...Não! Não teria tanta sorte! Não hoje...Dormir! Eu realmente preciso dormir!

CORTE


03. EXTERIOR/NOITE. BECO ESCURO. MUTA SUJEIRA.DESTA VEZ SOMENTE GATOS PRETOS COMEM OS RESTOS DE COMIDA NO LIXO. OS FELINOS FOGEM QUANDO SURGEM LÚCIO E LORO.


LÚCIO

Quanto tem de grana?

LORO

Grana? Eu só tenho um vale transporte!

LÚCIO

Deixa ver se entendi:- Quer chegar no Q. G. do Bispo com um V. T. e sair de lá com um monte de heroína?

LORO

Sei lá. Tô com fome e pensei que talvez lá...

LÚCIO

Pensou que o Bispo abriu uma pizzaria rodízio!...A minha vai ser ‘’quatro-queijos’’! E a sua? Vai ser de quê ‘’ô coisa rica’’? Champinhon? Frango com ricota? Mas tu é uma besta mesmo!

LORO
E tu? Não tem grana não?

LÚCIO

Seu merda! É claro que não! A última que eu tinha gastei na ‘’porra’’ da garrafa de ‘’vodka’’ que tu ‘’entornou’’ sozinho!...Bem...Com a ‘’merreca’’ que eu tinha não tiraria do Bispo nem um maço de cigarros. Olha...’’Na boa’’!...Nem sei se o sujeito lembra de mim! Merda! Merda!

LOROE o que é que a gente faz então?

(Ponto de vista de Lúcio e Loro. Uma prostituta bastante jovem se aproxima.)

LÚCIO

Me dá tua faca!

LORO
Que foi? Que merda eu fiz agora?

LÚCIO

Se liga mané! Eu só achei um jeito de sair do sufoco! Dá logo a faca!(Loro dá.)...Beleza! Agora fique esperto e vê se aprende como se faz!...Aí pequena! Passa logo a grana!

A MENINA

Calma, tá legal?!

LÚCIO

Calma é o ‘’caralho’’! ‘’Vamo’’! ‘’Demorô’’ ‘’mina’’!

A MENINA

Pera aí!(Abre a bolsa) Toma!

LÚCIO

Cem ‘’pila’’...Tu tá me achando com cara de otário? Eu sei que tem mais coelho nesta tua cartola! Por sinal, tá bem pesadinha!...Vamo!...Cadê o resto?(A menina tira mais cem reais da meia.)...Bem...Até que a clientela não tá ruim hoje, não é?

A MENINA

Se sair de minha frente vai melhorar ainda mais!

LÚCIO

Como é que é?

LORO

Deixa quieto Lúcio!

LÚCIO

Cala a boca cara!...Acho que a negrinha não tá sacando!...Não viu como a minha lâmina tá afiada? Não tá na cara que não tô a fim de sair da tua frente? ...Por quê não tenta passar?...Veja...Veja bem...Eu decido se a pretinha continua ou não, valeu?

A MENINA

Meu nome é Maria das Dores seu filha da puta!

LÚCIO

Maria?...Bah...Mais uma, menos uma...Que diferença?...Anda! Levanta a blusa! Quero ver os peitinhos!

A MENINA

Vê se vai pro inferno cara!

LÚCIO

Nossa! Tão agarradinha à bolsa....Sabe que não faz bem pro espírito ficar preso demais à matéria?...Pegue a bolsa dela Loro. Depois a gente dá uma olhada.

LORO

Mas Lúcio...

(A menina tenta fugir. Rapidamente Lúcio a agarra, a agride e joga-a no chão.)

LÚCIO

Agora fica quieto cara!...Você me distrai, ela foge e eu arranco sua língua!...Qual tua idade vagabunda?...Anda! Responde!

A MENINA

Dezenove!... Me deixa ir! Você já tem a grana porra!!

LÚCIO

Olha só Loro! A nojentinha acha de verdade que o papai aqui é trouxa!...Tu não tem dezenove nem aqui, nem na China!...Qual tua idade caralho? Tu já tá me deixando puto, não tá vendo?

A MENINA(Chorando)

Quinze...Pelo amor de Deus! Me deixa ir!

LÚCIO

Quinze...Tão nova e tão sem vergonha!

A MENINA

Moço...Eu tenho um filho me esperando em casa!...Por favor!

LÚCIO

Filho em casa?...Por quê não disse antes? Pôxa...

LORO

Aí...Daqui a pouco ‘’os home’’ tão aqui! ‘’Vambora’’! ‘’Vambora’’!!

LÚCIO

Pega a ‘’pixaim’’ aí e esconde ali vai!

LORO

Hein?

LÚCIO(Pausadamente)

Faz o que eu mando porra!!
(Loro leva, com dificuldade, a menina para junto das latas de lixo, de modo que ela fique bem escondida no escuro. Assustada, ela se encolhe na parede. Seu olhar é de pavor.)

LÚCIO

Sabe...Vou te dizer porque não deixo você ir:- Primeiro, porque acho muito feio uma mãe rodar bolsinha! Segundo, eu, do fundo de meu coração, não gosto de negros! E, terceiro...Bem, tô com um puta tesão e uma vagabunda de graça é coisa rara, apesar da cor!...Bem, aproveitemos a vida! Loro, fica de olho enquanto me divirto. Daqui a pouco é tua vez! Há! Há! Há!

(Música. O close é em Loro cujo olhar é de absoluto horror. Ouvem-se misturadas à perturbadora música, as estridentes risadas diabólicas de Lúcio e em seguida o terrível grito da menina que passa a ser violentada.)

CORTE

04. INTERIOR/ NOITE. BATIDAS NA PORTA. APARTAMENTO DE DOM. ELE ACORDA E COM MUITO SONO, VAI LENTAMENTE ATENDER. RAPIDAMENTE ENTRA LEONA COM UM COPO NA MÃO.

DOM

Vejamos...Será que eu ronco tão alto a ponto dos vizinhos ouvirem?

LEONA

Vim pedir desculpas!

DOM

Desculpas?

LEONA
Eu fui grosseira com você! Tive um dia terrível e descontei no primeiro que apareceu!

DOM

Acontece!

LEONA

E aí? Você me perdoa Domênico?

DOM

Humm...Ora, que importância isso tem, não é mesmo? Aliás...O errado aqui sou eu. Você voltou e o meu canto continua o lugar mais sujo do mundo! E pensando bem...Quem se importa com o que sente um babaca que mora num chiqueiro, pardieiro, ou qualquer adjetivo que minhas impulsivas visitas possam escolher?

LEONATá bom...É bagunçadinho sim. Mas tem estilo.

DOM

Estilo? Olha...Não piore as coisas. Eu aceito suas desculpas. Tudo bem agora?

LEONA
É...Tudo.

DOM

Ótimo então!(um silêncio constrangedor)

LEONA

Bom...Então é isso. Boa noite Domênico!

DOM

Ou o que resta dela não é mesmo?

LEONA

Então...Então tchau!(Ele vai fechar a porta, ela volta). Eu...Eu já ia esquecendo:-Você tem um pouquinho de açúcar? Acabou, sabe?

DOM

Há! Há! Você deve estar brincando, não é?Olha...Dormir! Eu realmente preciso dormir! E definitivamente não estou conseguindo. Deu pra entender?

LEONA

Seu...Seu grosso!!(Ela sai)

DOM

Espera!...Droga! Eu sou um idiota! Lá vai ela de novo! Bom, assim pelo menos não vai descobrir que eu não tenho açúcar por contenção de gastos. Isso não é exatamente algo sedutor pra se contar...Merda! Tenho uma gravação às nove da manhã e ainda não pude descansar!

(Uma barata enorme move-se pela parede. Imediatamente Dom arremessa seu chinelo contra o inseto, esmagando-o).

DOM

Malditas baratas! Bicho pré-histórico que vai durar mais do que nós!

(Dom vai deitar. Desliga a luz.)

05. EXTERIOR/ NOITE. ESQUINA DE RUA ESCURA E POUCO MOVIMENTADA.

(Um homem estaciona seu carro na frente de um edifício. Loro aproximam-se sorrateiramente e o homem sai do carro. Loro agarra-o pelas costas e põe uma faca no pescoço do mesmo. Então, Lúcio aparece e mostra o revólver que está em sua cintura. Lúcio pega as chaves da mão do homem.)

LÚCIO

Ai véio...Tu vai sair fora quietinho se não quiser levar uns ‘’pipoco’’! Solta ele Loro!

( O homem sai correndo. Lúcio e Loro entram e ‘’arrancam’’ com o carro.)

CORTE

06.INTERIOR/ NOITE. APARTAMENTO DE DOM

(Ouvem-se gritos de mulher. Dom vira de um lado para outro no colchão. Finalmente acorda.)

DOM

Puta que o pariu! Eu fui avisado que morar na Pedro Ivo não seria moleza. Que ouviria tiros, badernas lá da rua...Mas não fazia idéia que até os vizinhos seriam um inferno!

(Dom tenta dormir novamente. Os gritos de mulher continuam, desta vez acompanhados do som de pratos quebrando. Dom levanta, vai até a porta, mas logo desiste de sair. Volta a deitar e pega o travesseiro e põe sobre a cabeça. Em seguida, silêncio absoluto, logo interrompido com batidas desesperadas na porta. Ele custa, mas finalmente levanta, mesmo que resmungando muito. Ele olha pelo olho-mágico e rapidamente abre a porta. Então surge Leona que logo o abraça. Ela chora. Sua boca sangra.)

DOM

Meu Deus! O que foi isso?

(Corte Brusco.)*

07.INTERIOR/DIA. APARTAMENTO DE DOM

(Dom e Leona dormem. Os raios de sol incidem sobre o rosto de ambos. Finalmente Dom acorda. O sol o ofusca. Então, ele percebe que algo está errado.)

DOM

Não! Não é possível! Cadê o meu relógio?...Aqui está!...Onze horas! Não acredito! Merda! Merda! Merda!

(Leona acorda.)

LEONA

O que foi?

DOM

Perdi a hora! Adeus propaganda! Adeus grana!...Eu sabia! Eu sabia que isso iria acontecer! Esqueci de ligar o despertador! Eu...eu...

LEONA

Calma Domênico!

DOM

Calma? Era minha primeira propaganda como protagonista! Como isso pôde acontecer?

LEONA

Se...Se serve de consolo...Eu...Eu também perdi a hora do meu trabalho....E nem me importo sabia?

DOM

Que bom pra você!

LEONA

Por quê não liga pra eles?

DOM

Ligar pra eles?

LEONA

Claro! Os caras podem estar te esperando!

DOM

Isso mesmo! É o que farei!...O número...Onde está o número?(Procura desesperadamente.)

LEONA

Onde você guarda sua agenda de telefones?

DOM

Eu não uso agenda....Já sei! Eu anotei num papelzinho! Está no bolso da minha jaqueta!(Pega a jaqueta)...Urght...Tem que estar aqui em algum lugar...Droga!...Qual é o santo certo pra achar as coisas?

LEONAComo?

DOM

É...O santo que invocamos pra encontrar algo perdido?

LEONA

Sei lá...Minha avó é que sabe dessas coisas! Mas eu não sei onde ela está agora!

DOM

Ótimo! Estamos todos perdidos!...Pronto! Achei o maldito número!...Meu celular...Onde está o meu celular?

LEONA

Aqui está! Toma!

DOM

Ok...Vamos lá, vamos lá...Há! Há! Há!...Maldição!

LEONA

O que foi agora?

DOM

A carga do meu cartão acabou ontem à tarde! Não é fantástico? Não posso ligar pra ninguém! Há! Há!

LEONA

Então vá até lá! Diga que foi um acidente! Pegue um táxi!

DOMVocê...Você me empresta a grana do táxi?

LEONA

Eu não tô com dinheiro nenhum!

DOMentão nada de táxi! Merda! Merda!

LEONA

Puxa...Desculpe...Que chato Domênico!

DOM

Quer fazer o favor de parar de me chamar de Domênico?...É Dom! É Dom e pronto!

LEONA

Ai não! Vou embora! Pode parar! Daqui a pouco você vai dizer que a culpa foi minha! Vocês homens são todos iguais! Não sei porque perco meu tempo vindo aqui. Fui!

DOM
Pode parar! Desta porta você não passa!

LEONA

Não passo? Hum...Me dê um bom motivo pra isso.

DOM

O doido que lhe encheu de porrada pode estar aí fora te esperando.

LEONA

Você...Você se importa Domêni...Quer dizer...Você se importa de verdade Dom?

DOM

Pra que se dar ao trabalho se invariavelmente você volta?

LEONA

Deve estar achando que estou me sentindo atraída por você. Conheço o seu tipo:- Artistas são tão convencidos.


DOM

No momento só estou convencido de três coisas:- Vou ser despejado este mês por falta de pagamento do aluguel, que a boa grana que eu receberia pelo trabalho já está em outras mãos e este corte está infeccionando e precisa de cuidados.

LEONA

Deixe pra lá! A limpeza que você fez quando cheguei já ajudou um bocado.

DOM

Não é o que parece. Deixe-me fazer um negócio decente agora. Acho que eu tenho algodão, água e álcool perdidos em algum lugar do banheiro....Não saia daí, tá bom?

(Dom vai até o banheiro. Leona sorri.)

ENCADEAMENTO

08. EXTERIOR/ NOITE. ESTRADA DESERTA.

MÚSICA

UM CARRO COM FAROL ALTO ESTACIONA.É POSSÍVEL LER NUMA PLACA ‘’CAMPO LARGO 10 km’’. SAEM DE DENTRO DO AUTOMÓVEL LÚCIO E LORO. ENTÃO OS DOIS VÃO ATÉ O PORTA-MALA, ABREM-NO E SE OLHAM.

FADE OUT

09. INTERIOR/ NOITE. APARTAMENTO DE DOM.

(CLOSE NOS OLHOS DE LEONA ATRÁS DE UMA TAÇA DE VINHO TINTO QUE ACABARA DE ENCHER. EM SEGUIDA, PLANO GERAL COM LEONA PERAMBULANDO PELA SALA COM DUAS TAÇAS CHEIAS NAS MÃOS. ELA ACHA UMA CAIXA DE CDs E, CURIOSA, COMEÇA A OLHAR UM POR UM. DOM RETORNA.)

DOM

Ei! Cuidado!

LEONA

Relaxe! O que acha que vou fazer? Comê-los?

DOM

São muito valiosos pra mim, entende?

LEONA(Com pronúncia equivocada)

Chico ‘’Iscience’’, ‘’Coldeplai’’...O que é isso?...’’Piches’’?!

DOM(Corrigindo-a)

Santo Deus!... É Chico Science, ColdPlay e Pixies!...De que limbo você veio?...(Ela não responde)Olha, aí também tem RadioHead, The Verve, Prodigy, Lou Reed...Tem até uma banda daqui, o Beijo aa Força, conhece?

LEONA

Não...Não conheço este povo...Puxa, mas que coleção hein? O que você vai por pra gente ouvir?

DOM

Eu? Nada! Já tive problemas demais com música esta noite.

LEONA

Deixa de ser chato! Põe aí uma música que você ache que tenha a ver comigo.

DOM

Você é mesmo doida! Como é que vou saber que música tem a ver contigo? Nem te conheço direito Leona!

LEONA

Use sua intuição! Você não é artista? Pois então...

DOM

Pois bem...Que seja! Você...Você tem cara de...Já sei!(Mostra o C.D). Aqui neste C. D temos a canção de Leona!

LEONAE o que está esperando?

(Dom põe o C.D no aparelho de som. A música começa a tocar.)

LEONA

Gostei! Quem canta?

DOM

A caixa está do seu lado. Veja você mesma!

LEONA

Nunca tinha ouvido, mas ainda assim parece familiar. Dá pra entender?

(Somente a música no ambiente. Tela partida. Os dois trocam olhares. Bebem o vinho .)

(Retorno ao plano anterior ou ao primeiro plano.)

LEONA

Lamento pelo seu trabalho Dom.

DOM

Pois é...Bem...O roteiro era uma porcaria mesmo!

LEONA

A culpa foi minha, eu sei.

DOM

Deixe disso! Eu que deveria ter deixado o despertador ligado. Agora deixe que eu cuide desse machucado....Puxa, tá feio isso aqui....Essa mancha no teu braço....Foi ele também não é? Eu não entendo!

LEONA

Não entende o que?

DOM

Como alguém pode se envolver com este tipo de gente?

LEONA

Não é para entender. As coisas são como são!

DOM

Comigo...Este...Este canalha...Isso mesmo! Este canalha não teria vez!

LEONA

Ai! Cuidado! Dói!...E o que você faria se ele me encontrasse aqui?

DOMOra, cobriria o sujeito de porrada, é o que eu faria!...Por quê está rindo?

LEONA

Nada não! É que você não sabe o que está dizendo....Ai!...Mas essa eu queria ver: -Davi vencendo Golias!

DOM

Que diabos ele é? Namorado? Marido?

LEONA

Um monstro! É isso que você precisa saber! E eu já te pedi quando cheguei para não tocar neste assunto.

DOM

Tá bom! Só queria ajudar.

LEONA

Você já está me ajudando Dom! Mais do que qualquer um nos últimos tempos!

DOM

Pronto! Acabei! Agora é só não mexer que fica bom rapidinho!

LEONA

Ás vezes você parece um pouco triste.

DOMÉ irônico vindo de você!

LEONA

É também sensível, tímido...

DOM

Que tipo de doida é você? Mal me conhece e já deu pra desnudar a minha alma?

LEONA

Sensível, tímido e grosso!

DOM

Já sei! É algum tipo de bruxinha! Quer adivinhar meu destino? Ler a minha mão talvez?

LEONA

Dá aqui!

DOM

O quê?

LEONA

A tua mão ora!

DOM

Tá...Toma!...Você não vai cobrar nada né?

LEONA

Tenho cara de cigana da Osório?

DOM

AAA...Aproveita pra ver também quem vai ganhar o Atletiba! Vai ser amanhã!...E aí?...Já sabe pra qual time eu torço?

LEONA

Cala a boca!

DOM

Ihh!...Vai começar!...Ai! Tá fazendo cócegas! Hi!Hi!Hi!

LEONA

Fica quieto!

DOM

Que coisa doida esse negócio de destino Leona. ‘’Sou um joguete do destino’’ diz Romeu à certa altura da peça....Isso foi escrito há mais de quatrocentos anos. E se o mestre Shakespeare escreveu, quem sou eu pra duvidar? Hein Leona?...Leona?! O que houve? Você...Você está chorando.

LEONA

Não é nada não.

DOM

Que foi que aconteceu? Foi algo que eu disse? Sou uma anta mesmo!

LEONA

Não...Não foi algo que você disse.

DOM

Então o que foi?

LEONA

Estou com medo Dom.

DOM

Não precisa ter medo. Talvez eu possa te ajudar....Não sei de que jeito, mas...

LEONA

Então é você! Eu sabia!...O problema aqui é:- Quem deve ajudar quem?

DOM

Mas do que você está falando afinal Leona?

LEONA

Domênico...E não adianta pedir pra não te chamar desse jeito! Eu gosto de seu nome! E que bom que é você!

DOM

Eu? Sou o quê?


LEONA

Não tente entender.

DOM

É um bom conselho.

LEONA

Só deixe acontecer.

(Beijam-se)

DOM

Isto é algum tipo de mágica sua?

(Beijam-se novamente)

LEONA

Decifra-me ou te devoro!

DOM

Negativo! Esqueceu? Não devo entender nada. Este é o acordo.

LEONA

Então eu te devoro!

(Leona joga Dom no sofá. Ela o beija intensamente, tentando tirar sua roupa. Ele parece assustado com a investida dela.)

DOM

Ei! Adoro mulheres de iniciativa, mas será que não estamos indo rápido demais?

LEONA

Por quê tenho sempre que ouvir isto? Esta preocupação chata sobre o tempo das coisas...Saco!

DOM

Mas Leona, pelo que me consta, você acabou de ter uma briga feia com o seu namorado, marido, seja lá o que for!

LEONA

A vida é curta! O tempo é curto! E não me fale mais desse demônio!

DOM

Eu...Agora eu me sinto responsável!...Você veio até mim! Tenho o direito de saber o que está acontecendo!

LEONA

Até onde vai sua coragem pra enfrentar o mal? E se um único homem arrancasse sua alma? Este desgraçado sabe sempre onde a vítima está? É como um lobo atrás da caça! Conhece cada antro de Curitiba como um pai conhece o filho. Acredite, se ele ainda não sabe onde estamos é só por uma questão de tempo! Você devia ver o modo como o miserável anda! Devia ver por onde ele anda: -Praça Tiradentes pela madrugada, todos os inferninhos da Carlos de Carvalho...Violência, mortes no Capanema, tráfico na Vila Trindade...Nesta cidade de frio e de sombras, ele está em todo o lugar! Curitiba, à noite, pertence a ele!

DOM

E que tipo de pessoa é você que convive com alguém assim?

LEONA

Não me julgue! Sou uma sobrevivente! Uma sobrevivente de um lugar que eu não quero mais estar! De uma guerra que não quero mais participar!

DOM

Com tantos enigmas, você não me ajuda em nada!

LEONA

Nesta estrada dourada que você vê em seus sonhos, eu estou no início dela! O destino que vejo pede pelos primeiros passos. O que vai ser?

DOM

O que vai ser?...Estou com fome! Vem comigo até o mercado. A geladeira tá vazia e não tem nada pro almoço.

LEONA

Mas e a grana?

DOM

Que jeito? Deixo pendurado.

CORTE

10. EXTERIOR/ DIA. UMA RUA QUALQUER NO CENTRO DE CURITIBA.

(Leona e Dom conversam. Riem muito. Escondido no que seria a ruína de um antigo casarão, Lúcio observa atentamente o casal. Seu rosto está coberto por um capuz.)

LEONA

Mas por quê vocês brigaram?

DOM

Acredite:- Minha vida sentimental daria uma biografia facilmente confundida com uma comédia besteirol ou uma bíblia de anedotas involuntárias!


LEONA

Sua ‘’ex’’ tinha ciúmes das atrizes, não é?

DOM

Ela era atriz!

LEONA

Então por que foi que ela te deixou?

DOM

A pretensiosa vivia dizendo que nasceu pra ‘’interpretar Nelson Rodrigues’’! ...Encontrou o cafajeste carioca de seus sonhos e se mandou pro Rio! Hoje aparece em tudo quanto é revista de fofoca ao lado do pilantra!

LEONA

Verdade? Mas quem é ela?

DOM

Sabe este último seriado que passou na TV?...Pois bem...

(Neste momento, Lúcio joga uma pedra nas costas de Dom.)

DOM

Ei! Que é isso?...Ô sujeito?! Tá maluco?

(Neste instante algumas pessoas que passam pelas proximidades olham para Dom.)

LÚCIO

Psiu! Fala baixo! (Tira o capuz) Oi! Sou eu! Teu irmão!

DOM

Lúcio! Mas que diabos você está fazendo aí?

(Lúcio faz sinal para Dom se aproximar. Também gesticula de modo a entender que Leona deve ficar onde está.)

DOM

Leona, por favor, dá um tempinho aqui. Eu já volto.

LEONA

Ai, que foi hein?

DOM

Não sai daí!

(Leona, contrariada, fica ao longe observando a conversa dos dois.)

DOM

Fala logo! O que foi que você aprontou desta vez?

LÚCIO

Aí irmaozinho...Quem é a gostosa?

DOM

Não interessa!

LÚCIO

Eu tenho a impressão que eu já conheço esta ‘’mina’’!...Bem...Qual ‘’mina’’ que o papai aqui não conhece não é mesmo?...Porra! Que bundão! Puta que o pariu!

DOMFala logo o que você quer cacete!

LÚCIO

Fica frio! Quando souber da novidade, vai me tratar melhor.

DOM

E...E que novidade é essa?

(Leona permanece impaciente.)

LÚCIO

O lance é o seguinte...Nossa! Eu tenho o cu virado pra lua! Presta atenção...

LEONA(Interrompendo)

E aí Dom? Vai ficar de segredinho por muito tempo? Me avisa tá!

LÚCIO

Manda a boneca passear vai!

DOM(Para Leona)

Dá um tempo! Beleza?(Para Lúcio) Anda! Fala!

LÚCIO(Fala pausadamente)

Escuta:- Nesta madrugada pararam nas minhas mãos nada mais nada menos que 3kg de coca!

DOM

Como é?

LÚCIO

Cocaína! ‘’Farinha’’! Pó! Sabe o que isso quer dizer?

DOM

Sei: - Encrenca da boa! Como só você sabe arranjar!

LÚCIO

Pare de pensar pequeno!... O plano é o seguinte:- Hoje de noite vou vender a mercadoria e quero você comigo nessa! A gente reparte a grana! Vou sair da cidade e quero que você venha comigo e deixe pra trás este lugar que só fode com a gente!...Você...Você poderia até raspar a cabeça de uma vez.

(Dom parece indignado com o que ouve.)

LÚCIO

Ei! Que foi? O gato comeu sua língua?

DOM

Não conte comigo! Quer se matar, se mate sozinho!

LÚCIO

Acho...Acho que o mano não entendeu direito a parada! Daqui a pouco tô ligando pro meu cliente marcando hora e lugar.

DOMBoa sorte pra você! Agora sai fora!

(Close no olhar cheio de raiva de Lúcio para Leona que, por sua vez, parece cada vez mais impaciente.)

LÚCIO

Já sei! É a ‘’vagaba’’! Deve dar que nem uma vaca leiteira, não é mesmo?

DOM

Se a ofender só mais uma vez eu te arrebento Lúcio! Entendeu? Eu te arrebento!

LÚCIO

Essa eu pago pra ver!

LEONA

Dom, eu tô indo tá...A gente se fala!

LÚCIO(Provocador)

Ô ‘’mina’’! Deixa eu te contar uma coisa:- O otário do meu irmão tá caidinho por você! Não adianta, é sempre a mesma merda! Cai de quatro pela primeira...(Olha para Dom,)...Pela primeira ‘’boneca’’ que aparece!

LEONA

Vocês são irmãos?

LÚCIO

Filhos do mesmo velho sem-vergonha!

DOM

Quantas vezes vou ter que dizer pra não falar assim do velho?

LÚCIO(aproximando-se de Leona, medindo-a com o olhar.)

Não sei...Que merda! Eu já te conheço! Mas de onde?

(Close nos olhos de Lúcio e de Leona. Ele tentando reconhecê-la. Ela tentando desviar o olhar.)

LEONA(Pouco à vontade com a situação.)

Provavelmente você está me confundindo com alguém!

LÚCIO

Pode ser...Mas que tu é bem jeitosinha, isso é!

DOM

Lúcio! Eu tô avisando!

(Lúcio toca nos cabelos dela.)

LEONA

Tira as mãos de mim cretino!

LÚCIO

Confesse! A loira até que estava gostando dele...(Close nos olhos de Dom.)...mas depois de me ver sentiu um...um ‘’troço’’ diferente, não é?

LEONA

Vontade de vomitar!...Dom...Você vem comigo ou não?

LÚCIO(Segura Leona pelo braço. Isso a incomoda em demasia, pois trata-se de seu braço machucado.)

Olha aqui doçura, não gosto quando se metem nos negócio da ‘’brodagem’’ aqui! Não gosto nada disso, falei?

DOM(Empurrando Lúcio)

Sai de perto dela!

LÚCIO

Ei mané!(Livra-se de Dom.)Perdeu o medo da morte é?

LEONA

Mas que tipo de babaca é você?

LÚCIO

Olha...Tem muita sorte em estar com o irmãozinho! Muita sorte!

(Close em Lúcio e em Leona.)

LEONA
Tá me ameaçando?

LÚCIO

Pera aí...Já sei de onde conheço a belezinha!

LEONA

De onde?

LÚCIOSerá? Não!...Não pode ser!

(Plano médio. Dom ao fundo, entre Lúcio e Leona.)

LEONA

Pobre de você Dom, que tem que suportar um tipo desses como irmão....Bem...Tô indo! Acho qualquer lugar pra almoçar!

DOM

Leona! Espere!

LEONA

Não quero atrapalhar! Até!

(Ela vai embora. Dom fica perplexo, parado.Slow motion e fade out)

CORTE


11. EXTERIOR/ DIA. QUADRA ESPORTIVA DE UMA PRAÇA VAZIA E MAL CONSERVADA.

(Close de uma carcaça ensangüentada de cachorro morto. Em seguida, ‘’panorâmica’’ da quadra esportiva, com Lúcio e Dom parando no círculo central.)

(Plano médio.)

LÚCIO

Pronto! Aqui ninguém vai atrapalhar a gente!

DOM

Porra cara! Que merda! Tá doido? O que ela fez pra você hein?

LÚCIO

E esta daí nem te esperou! Uma rampeira! Isso sim!

DOM

Seu grande filho da puta!

(Dom avança sobre Lúcio, mas logo é contido, pois Lúcio possue técnicas marciais que logo o imobilizam.)

LÚCIO

Isso não foi nada esperto! Tss...Tss...

DOM

Me solta desgraçado! Me solta!

LÚCIO

Uma vez otário, sempre otário...Já tá enrabichado por aquelazinha né?

DOM

Me solta canalha! (Lúcio solta.) Cof! Cof!

LÚCIO

Depois de tantos anos ainda não aprendeu quem leva a melhor no braço?

DOM

Olha aqui!...Já tô de saco cheio, entendeu? Este teu papo, as suas encrencas...É tão difícil pra você entender que apesar de termos o mesmo sangue nas veias não há nada em comum entre nós?...Segue teu rumo cara! Vê se me esquece!

LÚCIO

Mas tu sempre foi um ‘’amarelão’’ mesmo!

DOMAgora vem com este negócio dos três quilos de coca!...Eu lá tenho cara de traficante? Hein? Tenho?...Cadê o Loro? Ele já sabe? Esse tipo de coisa tem mais a cara dele!


LÚCIO

Se continuar gritando eu acabo com a tua raça! Já matei por muito menos! Por muito menos entendeu?

(Silêncio. Dom se espanta com o que acabou de ouvir.)

DOM

Como...Como é que é? De que diabos você está falando? Que eu saiba, você foi pra cadeia por assalto!

LÚCIO

Pois é ‘’mano’’...Quer saber o resto da missa?

DOM

Já te vi roubando, batendo, chantageando, mentindo, traindo...Mas jamais pude imaginar que chegaria a este ponto!

LÚCIO

Vá se ferrar otário! Pra um mimadinho como tu é fácil botar o dedo na minha cara! Tu não sabe o que é a vida aqui fora! Enquanto tu ficava brincando de teatro eu comia o pão que o capeta amassou! Saca qual é?...Não né?...O gênio nem tem idéia! Nem sabe o que precisei fazer pra poder sobreviver!...Me conta:- Como é Ter toda noite banho bem quentinho, cama com os lençol esticado, comidinha quente? Eu? Só me fodi! Só me fodi cara!

CORTE. MÚSICA.

(Vemos somente Dom. Ele parece ver a história que Lúcio conta. Á medida em que os fatos do passado de Lúcio vão sendo narrados, breves inserções de flash back vão se intercalando com o close em Dom.)

LÚCIO(OFF)

Sabia...Sabia que comeram o meu rabo lá no xadrez?

(Flash back. Vemos um presidiário rindo e violentando alguém. )

(Close em Dom).

LÚCIO(OFF)

Eu era o que chamavam de carne nova!...E dormir? Há! Há! Há! Tem idéia do que é dormir por quatro anos com o fedor de merda na tua cara? Apanhando de guardinha metido a macho?

(Flash back. Vemos um policial de cacetete agredindo Lúcio, que sangra e se arrasta no chão).

(Close em Dom).

LÚCIO(OFF)

Mordida de cachorro era bobagem,’’ melzinho na chupeta’’! Tu tinha televisão? Podia ir no cinema? Olhar pra aqueles muros altos e pra aqueles safados de escopeta todas as manhãs era foda cara!...E depois que eu saí?...Aquele viaduto da rodoviária me protegeu da chuva por ‘’uma cara’’!

(Flash back. Vemos Lúcio envolto num cobertor velho, debaixo da ponte e se protegendo da chuva).

(Close em Dom, realmente afetado com o que ouviu).

DOM

Se o velho e você tivessem se entendido, nada disso teria acontecido! Nada!

(Retorno ao plano médio).

LÚCIO

Há! Há! Há!...O velho...O velho vacilou! Demorou, entendeu? Demorou! E eu nunca quis a ajuda daquele safado na verdade!

DOM

Eu conversava com ele. Disse-me várias vezes que se arrependeu do que fez contigo.

LÚCIO

Mas como tu é idiota! O velho encheu os corno de cachaça e só deixou dívidas pra vocês! Tu e tua mãe perderam tudo, inclusive a casa!...Foi até divertido! Eu nunca tinha te visto trabalhar na vida! O mano teve que se virá bonito! Há! Há!Há!...Tsss, tsss...E ainda fica defendendo aquele calhorda! Tu não enxerga nem um palmo na tua frente!

DOM

Mesmo assim era o meu pai!

LÚCIO(caçoando)

‘’Mesmo assim era o meu pai’’...Há!Há!Há! Quer chupeta ô neném? Olha...Pro maninho ele pode até ter sido bacana, mas pra mim, era melhor que tivesse convencido a velha a fazer o tal aborto! E olha que o safado tentou e muito, que eu tô sabendo!

DOM

Isso é verdade?

LÚCIO

Ele me disse um dia, bêbado que só:- ‘’Se eu soubesse que iria nascer um imprestável como você, eu mesmo teria te puxado das entranhas dela! Eu até quis, mas a vadia fugiu de mim!’’

(Flash Back. Música. Vemos a mãe de Lúcio, mulata e com as mãos no ventre, fugindo do amante agressor).

LÚCIO

Que desgraçado!

DOM

Minha mãe nunca perdoou essa traição. Morreu de desgosto e tristeza. Mesmo com toda essa dor, um dia ela te aceitou e te recebeu sempre que pôde. Acho que era pra que eu não ficar sozinho, sei lá...

LÚCIO

O velho é que nunca me quis. Não curtia quando eu aparecia no pedaço...Também, se me desse as costas eu cortava ele, matava mesmo!

DOM

Você seria capaz?

LÚCIO

O irmãozinho não sabe do que sou capaz!...Mas quando eu vi a doença levando o velho, preferi ver o filho da puta sofrer bem devagar pelo que fez pra minha velha...Pro teus velho, era só uma negrinha, a empregada da família, a mãezinha de leite do Domênico que tava tão fraquinho!...Mas quem saiu das tripas dela fui eu! Fui eu! Entendeu? Fui eu!

DOM

Calma Lúcio! Tá tudo bem!

LÚCIO

O teu meio irmão. Que beleza hein?

DOM

Lembra quando minha mãe, escondida do pai, me levou pra conhecer sua casa?

LÚCIOLembro! A velha tinha gansos no quintal e um te atacou! Cara, tu chorava pra caralho! Sabe como é...Ganso é um cachorro com penas.

DOM

Fui querer agradar o bicho e fui atacado sem piedade!(Risadas)...Vocês moravam ali na...

LÚCIO(Interrompendo)

Vila Pinto! É isso aí!...E eu? Eu só ia pra tua casa pra jogar bola naquele campinho de areia de vocês!

(Flash Back. Imagem de dois meninos jogando bola debaixo de um sol ardente).

DOM(OFF)

É...E de preferência escondido do velho.


LÚCIO(OFF)

Deixa de ser idiota! Eu deixava tu ganhar! Era chorão pra cacete! Cada dois gols que eu marcava anulava um!

(Imagem dos dois meninos discutindo).

LÚCIO(OFF)

Cada vez que eu ganhava, tu dizia que eu não poderia voltar a te visitar! Mau perdedor tu era!

(Imagem de um menino com uma bola debaixo do braço, expulsando o outro do jogo).

FUNDE

(Close em Lúcio).

LÚCIO

Mas o problema é que eu não ia! Eu gostava pra caralho dos teus brinquedos e do quintal! Pra ficar mais até amoleci minha categoria de goleador! Tô mentindo?

(Close em Dom que sorri).

(Plano médio).

DOM

Você era o único que tinha saco pra brincar comigo, pra agüentar minhas vontades e chatices!

LÚCIO

Cacete! Somos ou não somos irmãos?

DOM

É o que somos, não é?

LÚCIO

Porra! Que merda! O mesmo sangue caralho! O mesmo sangue!

DOM

Eu...Eu te admirava Lúcio. Você era muito mais esperto do que eu. Bem mais esperto.

LÚCIO

Beleza! Então vem comigo vender a’’farinha’’! Vamos rachar a grana, valeu?

DOM

Mas drogas, morte nas costas...É melhor parar por aqui, valeu?

LÚCIO

Mas tu tá me deixando muito, mas muito ‘’emputecido’’, sabia?

DOM

Tchau!

LÚCIO

Irmãozinho, mano...Que nada!...Tu nunca ligou pra ninguém cara! Quer mais é ficar neste teu mundinho de fantasia!...Olha...Se liga! Tu tá me dando as costas. E dar as costas pra quem pode quebrar uma espinha com um chute não é muito esperto não!

DOM

O que está esperando?(Vai embora).

LÚCIO

´´Traíra’’! Tu vai me pagar caro, entendeu?...Desgraçado!...Desgraçado!...Não saio desta cidade sem antes botar três azeitonas na cara desse sacana!...Hoje tu vai morrer filho da puta!...Aí maluco! Vou te apresentar ao inferno!

(Lúcio se retira da quadra. Em seguida, imagem de abutres sobrevoando a praça).

CORTE

12. EXTERIOR/ DIA. BOSQUE DE SÍTIO DE BEIRA DE ESTRADA.

{Homem abaixa as calças e ajoelha-se pra defecar. Ouve então gemidos de mulher. Ele se recompõe e tenta descobrir o que está acontecendo. De repente, uma mão de mulher negra surge na tela (Halo desfocado para destacar a mão). O homem se apavora com a visão(Close)}.

CORTE

13. INTERIOR/ DIA. APARTAMENTO DE DOM.

{Silêncio. Dom olha pela janela O celular, ligado ao recarregador, toca(Close). Incomodado, ele vai atender}.

DOM

Alô...Não...Aqui não tem ninguém com esse nome....Não...Não é aqui....Porra, não enche o saco!(Desliga o aparelho)....Que merda!...Telefone de pobre é assim mesmo: - Só recebe ligações. (Joga o celular em cima do sofá). Silêncio! Só preciso de silêncio!...(Dom pega contas que estão sobre a mesa)....Contas atrasadas...Com que dinheiro vou pagar isto aqui? Com que dinheiro?...Daqui a pouco me despejam daqui!

{Dom olha ao redor e, de repente, chuta a cadeira. Em seguida, aflito, senta no chão, encosta a cabeça na parede e fecha os olhos.(Close) Silêncio absoluto. Ouve-se, em seguida, o choro de uma criança. Dom abre os olhos bem devagar. Sob o ponto de vista de Dom, o plano segue lentamente até a entrada do corredor do quarto, onde uma menina com seus sete anos está parada chorando e ferida).

Música.

DOM

Menina?!...Calma!...Não vou te fazer mal! Por quê está machucada deste jeito?(A menina permanece imóvel.) Eu...Eu vou ajudá-la! Por favor...Não tenha medo.

(Batidas na porta. Dom se distrai e quando volta a olhar para o corredor a menina não mais está ali. Ele vai atender. Leona reaparece chorando e corre para os braços de Dom).

DOM

Leona?! Mas..Eu...

LEONA
Não fala nada! Só me abraça!

(Close nos olhos cheios de lágrimas de Leona.)

DOM(Um pouco agressivo)

Droga! Que diabos está acontecendo mulher? Que loucura toda é essa?

(Leona não responde. Apenas chora compulsivamente nos braços de Dom.)

DOM

Desculpe! Acho que estou ficando maluco.(Olha novamente para o corredor e nada vê. Volta a olhar para Leona)...Você...Você foi embora tão rápido, senti...


LEONA(interrompendo)

Sentiu minha falta?

(Dom pega um prato de comida que estava sobre a mesa).

LEONA

Não obrigada. Eu já comi.

DOM(Limpando as lágrimas dela)

Você chora, mas desta vez não foi uma briga, não é?

LEONA

Sinto saudades.

DOM

Está tão perto, mas não permite que eu entre.

(Silêncio. Dom olha fixo para o corredor e Leona estranha.)

LEONA

O que...O que você tanto olha pra lá?

(Ponto de vista de Dom para o corredor.)


DOM

Deixa pra lá vai.

LEONAO que foi pôxa! Até parece que viu fantasma! Fala vai!

DOM

Leona...Tinha...Tinha uma garotinha chorando parada ali no corredor.

LEONA

Hein?

DOM

Não sei explicar! De repente ela sumiu! Não vi mais nada!

LEONAMais nada?

DOM

Ela chorava. Estava machucada em um dos braços. Como você.

(Travelling shot. Leona vai procurar a tal menina pelo corredor e quartos. Leona volta e passa a encarar Dom).

DOMQue foi?

LEONAVocê...Você está cansado. É isso! Não dormiu direito esta noite. O cansaço está confundindo sua cabeça. Claro...Com certeza é isso!

DOM

Não foi delírio! Muito menos estou confuso! Eu só estou no meio de um maldito jogo! Será que todos querem me enlouquecer? Porra! Será que é isso?Hein?

(Dom soca a parede. Breve silêncio. Leona, de mansinho, o abraça por trás).

LEONAEste é o problema. Você nunca enlouquece.

(Dom ri nervosamente. Depois, com os olhos cheios de lágrimas, vira para Leona. Se olham. Silêncio).

LEONA

Eu quase estou ouvindo uma música. Consegue ouvir? Consegue?
(Dom permanece olhando para Leona. Beijam-se.)

DOM

Enlouquecer...Com a vida que eu levo, é a última coisa de que preciso.

LEONAQuer saber o que penso?

DOM

Por favor.

LEONAAcho que pra gente como você...poetas, artistas, este povo todo...Quero dizer...Pra gente como você, o gostinho da insanidade é inspirador. Vocês precisam pirar pra se sentirem vivos! Sabe como é?

DOM

Sei! Todo artista é bicha, drogado ou maluco mesmo! Sei como é o preconceito.

LEONANão é isso seu bobo! Como você pode ser tão tapado?

DOM

Leona...Afinal de contas, o que você quer de mim?

LEONA

De você? Deixa eu ser a inspiração deste teu sorriso.

DOM

Quer saber?...Não precisa pedir duas vezes.

(Beijam-se novamente. Começam a tirar a roupa um do outro. Dom se atrapalha com o sutiã de Leona ao tentar tirá-lo.)

DOM

Droga!

LEONADeixa comigo!

(Ela tira o sutiã.)

DOM

Você é linda!

LEONA

Mesmo?...Cuidado o sofá!

DOM

O quê?

(Dom tropeça. Caem no sofá. Dom aperta forte Leona.)

LEONAAi! Assim dói!

DOM

Desculpe! É que eu tô meio sem prática!

LEONA

‘’Tô meio sem prática’’...Que graça!...Ai, vem gostoso! Vem!

DOM

Esse seu cabelo...Essa boca! Preciso ouvir som alto mais vezes!

LEONA

O quê? E atrair outras garotas? De jeito nenhum!...Vem! Chega de papo e vem!

(Leona arranha Dom.)

DOM

Aught! Assim dói!

LEONA

Desculpe! É assim que eu pratico!...Posso te morder também? Hein? Posso?

DOMLouca! Louca!

LEONAQuero que você seja meu!

(Leona morde. Dom grita.)

CORTE. MÚSICA.

13. EXTERIOR/DIA. ESTRADA PERTO DE UM SÌTIO.

(Uma Ambulância. Os paramédicos colocam nela uma maca. Tem alguém nela, um corpo coberto por um lençol manchado de sangue. Junto da viatura o homem que socorreu a pessoa que está na maca. . Em seguida close em dois policiais encostados numa viatura. Entreolham-se preocupados com o ocorrido).

(Música. Imagem do sol se pondo ).

14. EXTERIOR/NOITE. PORTÃO DA FRENTE DE UMA CONSTRUÇÃO ABANDONADA.

(Surgem Lúcio e Loro.Loro está mancando, além de estar levando sozinho vários pacotes de supermercado. O pacote com a droga está escondido na jaqueta de Lúcio).

LÚCIO

Dá pra andar mais rápido?

LORO

Que que há? Não foi você que foi mordido na perna.

LÚCIO

Porra! Eu devia ter te deixado lá na estrada! Levar uma mordida de um vira-lata daquele tamanho. Tu é mesmo um atraso de vida! Ficou parado o dia inteiro pra esta merda melhorar e nada!

LORO

Podia pelo menos me ajudar com os pacotes. Ufa!

(Os dois olham para o alto da construção).

LORO

Tem que ser aqui é?

(Ponto de vista de Lúcio. Primeiro a imagem da construção. Depois a imagem de um orelhão. Do outro lado da quadra, um enorme anúncio publicitário em neon).

LÚCIO

Fica frio. Nunca vi ninguém pintando por aqui. Este troço tá abandonado.

LORO

Sei não...

LÚCIO

E tem mais...Eu é que não vou ser mané de fazer negócio no meu barraco, tá ligado? Os home sempre tão fazendo ronda por lá.

(Olham ao redor. Lúcio é o primeiro a pular o portão. Em seguida, com extrema dificuldade, Lúcio faz o mesmo. Close em alguns objetos que caem dos pacotes de supermercado(Muita bebidas alcoólicas, garrafas de água mineral, comida e condimentos. Loro recolhe os produtos nos pacotes e os dois se dirigem ao primeiro lance de escadas do lugar. De repente, um enorme cão da raça Rotweiller sai de trás de uma coluna e ataca a perna já ferida de Loro. Ele grita desesperado. Lúcio, que já está bem à frente, olha para a arma em sua cintura, mas logo desiste da idéia de usá-la. Pega então uma faca presa ao outro lado de sua cintura, corre em direção do animal e o fere mortalmente na altura do estômago. O animal agoniza por um tempo, mas logo cai morto. Loro grita e chora de dor, e a hemorragia em sua perna é grande).

LOROAaaaiii! Lúcio!!! Pelo amor de Deus, me leva pro hospital cara!

LÚCIO

Merda!...Olha...Pára de gritar! Segura a onda que eu cuido disso aí, valeu?

LOROTá...Tá sangrando pra caralho! Se não for ao médico eu vou morrer cara! Vou morrer, tá ligado!?Aiii!!

(Lúcio pega então Loro pelos cabelos).

LÚCIO

Se você não parar de gritar que nem uma bicha agora mesmo, eu calo tua matraca com um tiro na boca! Quer melar tudo agora?Hein filho da mãe?Quer que os home achem a gente?Hein?...Vamos subir...Eu cuido disso daí!LOROMesmo Lúcio?Arght...Mesmo?

LÚCIO

Fala sério! Pode crê! Já dou um jeito nisso aí! Já vi coisa bem pior no exército! Não dá nada! Agora vambora! Vamo!

(Lúcio tenta erguer Loro).

CORTE

15. INTERIOR/NOITE. APARTAMENTO DE DOM. CHOVE MUITO.

(Dom e Leona dormem nus. O lençol que cobre ambos é vermelho. De repente Dom acorda assustado, como quem desperta de um horrível pesadelo. Leona também acorda e vai atendê-lo).

LEONA

Domênico?! Você está suando! O que houve?

DOM

Nada. Só tive um pesadelo bobo.

LEONA

Calma. Já passou! Tá tudo bem! Deixa que eu pego um copo d’água pra você.

DOM

Não! Não precisa Leona! Não precisa! Está tudo bem! Mesmo.

LEONAVocê tendo pesadelos e eu dormindo como um anjo ao seu lado. Faz tempo que isso não acontece comigo. Faz tempo!(Breve silêncio. Close na estante com os CDs de Dom)...Dom!

(Plano médio.)

DOM

Diga.

LEONA

Eu queria ouvir de novo aquela canção que você pôs pra mim.

(Corta para imagem da janela molhada com os pingos da chuva. Dom se aproxima da janela e permanece com um olhar distante, como se seu pensamento estivesse longe.)

DOM

Como o céu está cinza. Cinza como eram os cabelos de meu pai.

LEONA(Se vestindo)

Ai, credo! Você está estranho! Me dá uma tarde deliciosa e agora fica aí deste jeito. Você mora em Curitiba querido. O céu sempre fica cinza. E eu já me acostumei.

DOM

Era a sua filha.

(Breve silêncio.)

LEONAO quê?

DOM

A criança que chorava ali no corredor...E ela voltou a aparecer pra mim agora em meu sonho.

LEONA

Mas afinal...Que ‘’porra’’ é essa que você está falando?

DOM

Sua filha está presa num lugar úmido, sem janelas. Tem que ficar em cima de uma cadeira por causa dos ratos.

LEONA

Domênico...Pára com isso! Tá me assustando!DOM

Ela te chama o tempo todo.

LEONA(Gritando)Eu já mandei parar!

DOM

Não posso! Está na minha cabeça e não quer parar.

LEONA

Você está com essa brincadeira desde a hora em que eu cheguei.

DOM

Não é brincadeira!

LEONA

Por quê está fazendo isso comigo? Não tem esse direito!

DOM

Existe um sujeito vestido todo de negro. É ele quem faz vocês sofrerem! E é com ele que você tem que acertar as contas!

(Leona chora.)

DOM

Lamento Leona. Se eu pudesse...

LEONA

Ai...Por favor, não diga mais nada!...Suas palavras...Droga Dom, por quê não me corta com uma faca de uma vez? Uma lâmina bem afiada em meu peito não doeria tanto quanto suas palavras! O que é que você quer? Acabar comigo?DOMLeona, por favor...Acalme-se!

LEONA

Preciso ir. E vê se esquece que me conheceu!

DOM

Fugir?! Agora? Como pode?

LEONA

Eu e você...Um engano! Só isso.

DOM

Você tem que me deixar ajudar!

LEONA

Você? Me ajudar? Absurdo! Isso é absurdo!

(Ela sai.)


(Travelling shot. Grande mobilidade de Dom pelo apartamento.)

DOM(Gritando.)

Leona!...Se quer desse jeito então nem pense entrar mais por esta porta!...(Close na porta. Dom torna a falar baixo. Volta ao plano ‘’travelling shot’’.) ...Merda! Merda!...Eu sei que vi! Estava claro! Não parecia delírio nenhum!...A garotinha chorava!...Por quê Leona reagiu desse jeito? Por quê?...Eu só queria ajudar! Só queria ajudar!...Mas ela tem razão! Em quê um tipo como eu poderia ajudar? Perdido, sem saber cuidar de mim mesmo. Sou ridículo, patético...(Pára em frente a um espelho. Câmera em ‘’ponto de vista’’ de Dom, vendo seu próprio reflexo.) ...O que sou é muito diferente do que penso que sou! Não me entendo com meu irmão, como artista sou uma farsa, não tenho grana se quer pra comprar um C.D pra Leona...Se eu tivesse tido a oportunidade, é claro!...Sou um zero à esquerda, um nada! Essa é a verdade!...(Permanência do’’ ponto de vista’’ de Dom, até a câmera focar a janela molhada com as gotas da chuva.)...Palavras...Não suporto mais...(Close em Dom.) ..Três quilos de coca...Lúcio quer vender e rachar a grana comigo...(Dom fala para a câmera.) Pois bem...Por quê não?

(Dom sai. Câmera lenta enquanto ele fecha a porta.’’ Fade out’’.)

16. EXTERIOR/ NOITE. LARGO DA ORDEM, CURITIBA.

(Música. Plano geral do Largo da Ordem. Chove e venta intensamente. Em seguida, ‘’Travelling shot’’ . Dom corre junto aos prédios, como se quisesse se abrigar. Breve close em Dom para logo em seguida ele continuar a correr. Pára em frente à uma boate decadente, faz perguntas para o porteiro mal encarado mas parece ainda não estar satisfeito. Há um’’encadeamento com desfocagem’’ da imagem , até surgir novamente Dom subindo as escadas de uma pensão. Bate na porta de um dos apartamentos, faz perguntas a uma das duas lésbicas que se beijavam na escada. Não satisfeito, segue a sua busca. Novo ‘’encadeamento com desfocagem’’. Vemos então Dom, molhado e tremendo de frio, parado em um balcão de um boteco, bebendo vinho tinto. Um bêbado ri para ele. )

DOM

Pode deixar’’ Portuga’’! Amanhã eu fecho a conta. Fica frio! Acho até que amanhã vou pagar uma rodada de cerveja pra todo mundo que estiver na área! Me aguarde!

PORTUGA

Sei...Só deixo o garoto pendurar porque teu pai ‘’bebeu’’ toda a grana dele aqui em meu boteco. E eu gostava de teu velho!

DOM

Valeu ‘’Portuga’’! Valeu!...(O celular de Dom toca)...Alô?!...Lúcio! Porra, andei por tudo quanto é canto te procurando cara!...É....Talvez...Talvez você tenha razão afinal de contas....E onde você está agora?...Espera um pouco!(Para o atendente do bar.)...Ei ‘’Portuga’’! !Tem uma caneta pra emprestar?

CORTE.

17. EXTERIOR/ NOITE. CHOVE MUITO.UMA CONSTRUÇÃO ABANDONADA

(Telefone público em frente à construção abandonada. Alguém está ali. ‘’Close’’. Lúcio sorri e põe o telefone no gancho.)

LÚCIO

Hum...Convencer o maninho a mudar de idéia até que foi moleza....É...Melhor assim. Bom, é hora de ligar mais uma vez pro Bispo, só pra confirmar a parada.

FADE OUT

18. INTERIOR/ NOITE. UM ANDAR DE UMA CONSTRUÇÃO ABANDONADA. A ILUMINAÇÃO DO LUGAR SE DÁ ATRAVÉS DA LUZ DO NEON DO OUTRO LADO DA RUA, LUZES DOS EDIFÍCIOS VIZINHOS, ILUMINAÇÃO PÚBLICA E ATRAVÉS DO FOGO EM GALÕES DE COMBUSTÍVEL QUE SE ENCONTRAM NO PRÓPRIO ANDAR.

(Loro, com a perna ensangüentada, reúne forças para aspirar uma carreira de cocaína. Lúcio surge. Enfurecido com a visão de um dos pacotes rasgados por Loro, ele imediatamente chuta o nariz do comparsa.)

LORO(Agora com o nariz também sangrando.)

Porra cara!...Só peguei um pouquinho! Pra dá o barato e esquecer a merda da dor na perna!... Caralho! Você quebrou meu nariz cara! Puta que o pariu! Meu nariz cara!

LÚCIO

Como tu sangra hein? Tá sangrando que nem porco!...Eu não mandei não abrir nenhum dos pacotes? Hein? Fala corno!

LORO

Merda!...Tu já não tá feliz com o que fez com a pretinha?

LÚCIO

Não me ‘’emputeça’’ cara!...A mina começou a gritar que nem uma cadela, não teve jeito! Tive que apagar! Se os P.M. ouvissem, cana na certa! E pra mim chega de ver o sol nascer quadrado!

LORO

Não precisava ter matado porra!

LÚCIO

E o gênio tinha idéia melhor?...O Bispo tem que chegar logo. Temos que sair da cidade rapidinho!...Antes...Antes que alguém ache o corpo lá na BR.

LORODeixa disso! A ‘’desova’’ tá feita e pronto! Não tem erro!...Ai meu nariz!...Puta que o pariu! Tá quebrado!

LÚCIO (CLOSE)

Se aquela mina caiu do céu ou saiu do inferno não sei. Mas que ela trazia uma arca do tesouro, isso trazia.

(CLOSE NOS PACOTE S COM AS DROGAS.)

(PLANO GERAL NOVAMENTE.)

LORO

Vou precisar fazer uma plástica no nariz depois dessa!

LÚCIOCom a tua parte no cascalho dá pra fazer e ainda sobra pra tu mudar esta tua cara feia!

LOROAaai...

LÚCIO (Olhando pela janela.)Cacete...Acho que este ‘’ toró’’ tá atrasando o Bispo. Preciso fazer esta venda logo!...Caralho!...Por baixo, por baixo deve dar uns quarentinha!...Quarenta mil!... Repartindo com meu irmâozinho, vinte pra cada um...Beleza!

LOROComo é que é?LÚCIO

Calma! Fique frio!...Teu nariz tá quebrado, o cachorro te mordeu...É melhor ficar aí parado, na boa! Eu só tava pensando alto!

(Ponto de vista de Lúcio. Primeiro a câmera foca os pacotes de droga, depois a perna sangrando de Loro e depois a própria arma em sua mão.)

(PLANO GERAL.)

LOROQue papo é esse de repartir com o Dom? O acordo é entre a gente! Valeu?

LÚCIO (Olhando pela janela)

Pois é...Numa tempestade dessas não tem muito louco pra sair de casa. Acho até que não tem ninguém por perto. Nem Bispo, nem ninguém.. Tá todo mundo em casa assistindo TV. Não é Loro?

LORO

Hein?

LÚCIO

Tu acha que se eu atirar alguém vai escutar?

(CLOSE EM LORO, QUE FINALMENTE PERCEBE QUAIS SÃO AS INTENÇÕES DE LÚCIO. A EXPRESSÃO É DE PAVOR. CORTA PARA A IMAGEM DE LÚCIO APONTANDO SUA ARMA PARA LORO E DISPARANDO UM TIRO. O SANGUE ESCORRE DA TESTA DE LORO, QUE CAI IMEDIATAMENTE. ENTÃO, LÚCIO ESCONDE O CORPO E LIMPA O CHÃO SUJO DE SANGUE.)
LÚCIO (Acabando a limpeza.)

Agora otário, nem plástica ajuda!....Oito e meia e nada do Bispo. Será que ele não entendeu o endereço? Estranho, ele disse que aqui já foi até ponto dele. Ele entendeu sim! Ele virá, ele virá!...Porra, e o Dom? Disse que vinha o ‘’amarelão’’, mas acho que vou mesmo é ficar com toda a grana. Ele não tem cu pra aparecer aqui.

(LÚCIO VÊ A CARREIRA DE COCAÍNA E ASPIRA NOVAMENTE. SEU ESTADO PARECE CADA VEZ MAIS ALTERADO.)

LÚCIOÉ da purinha, o papai aqui entende do riscado.

(PLANO GERAL DO ANDAR EM QUE SE ENCONTRA LÚCIO.)

(VOLTA CLOSE EM LÚCIO.)

LÚCIO

Nem sinal do Bispo!Tenho que sumir, já fiz dois defuntos em menos de vinte e quatro horas. ...Vou mesmo é pro Mato Grosso, lá tenho uns camarada que estão comigo pra qualquer parada. Pelo menos não vão me dar as costas como o viadinho do Dom fez...Porra, quem ele pensa que é? ...Se ele aparecer, eu, eu....Bom...Duas mortes em menos de vinte e quatro horas. Essa é digna do Bispo. Mas ainda chego lá.

(Ouvem-se passos, Loro se levanta, close em seu rosto. Em seguida, plano geral na porta. Em slow-motion aparece Dom.)

DOM (Close)

Mas que buraco você foi arranjar hein?

LÚCIOMas...O que aconteceu?DOMUé? Por quê o espanto agora? Você ligou pra mim, disse pra eu vir até aqui e tal...Tô aqui mano!

LÚCIOPô! É real! Liguei pra ti, liguei.

DOM (Indo em direção ao fogo para se aquecer, pois tomou muita chuva.)Pensei melhor e acho que é uma boa:-Vou participar da transação do ‘’pó’’, da ‘’farinha’’, como se diz.


LÚCIOVocê não abriu o bico, abriu? Aquela garota ela...

DOM (Interrompendo)

...Desencana! Ninguém sabe que estamos aqui.

LÚCIO

Sabe...Tô grilado com aquela tua mina mequetrefe, saca?

(Dom olha contrariado.)

LÚCIO

É...É que eu tenho certeza que eu já conheço a mina, mas não consigo lembrar de onde.

DOMVai ver os dois já tiveram um rolo e não conseguem lembrar.

LÚCIODeixe de besteira! Jamais esqueço das gatas que passaram por estas mãos. ...E tem mais:-Tu morreria de ciúmes se isso fosse verdade.

DOM

Que é isso? Passado é passado.

LÚCIO
É...E o que me diz da Kátia?DOMPiranha!

LÚCIO

E a Ana Lúcia?DOMSacanagem...Eu acabei o namoro com ela e no dia seguinte você já queria trepar com ela!LÚCIOE trepei, não foi?

DOMO caramba! Ela andou me falando sobre umas tais ‘’brochadas’’. Há!Há!Há!

LÚCIO (Aponta a arma)

Tá rindo de quê safado?DOMEi...Abaixa esse berro! Tá maluco?

LÚCIONão gosto que riam de mi m, valeu?

DOMMas isso foi a oito anos atrás! Porra, foi só um comentário bobo! Eu nem lembrava mais da Ana cara!...Agora, se não for pedir demais, dá pra tirar esta arma da minha cara?

(Lúcio demora um pouco para baixar a arma. Quando o faz, abraça Dom com força.)

LÚCIOQue bom que tu veio! Mano ‘’véio’’, mano ‘’véio’’!

DOM(Estranhando com a atitude do irmão.)

Tá legal! Fique frio!

LÚCIOE eu tenho mais alguém nesta porcaria de mundo? Não! Só tu meu irmão, só tu! Sabe...Quando eu saco meu berro tenho que descarregar no otário que me fez fazer isso. Mas tu é meu irmão porra!!

(Música. Closes alternados em ambos. Se olham nostálgicos. Em seguida, close somente na risada doentia de Lúcio, enquanto ele fala e gesticula freneticamente.)

DOM (Em OFF. Close permanece em Lúcio.Música.)

‘’ Olhando para aquela figura patética, estranhamente comecei a lembrar de uma peça de teatro da qual participei. Recordei a montagem em que interpretei Fausto e das provações de Mefistófeles. ...Justo eu, que estava mais para um palhaço triste, um Pierrô. A que ponto cheguei. ’’

LÚCIO

E...e que irmão que eu era. Eu nem ia te ver no teatro, achava que era coisa de veado....

(Close em Dom , que está distraído, com o olhar distante.)

LÚCIO

...E aí? Que que tá pegando? Tô falando contigo mano!

(Dom percebe a mancha avermelhada no chão, conseqüência da tentativa de Lúcio em limpar o sangue de Loro.)
DOM

Hã?...Como?LÚCIOHiii...Qual é?

DOMEntão Lúcio...E a parada?

LÚCIO

Parada? Hã...A parada...Pois é!

DOMCadê o tal comprador da ‘’farinha’’? (Continua a observar o local.)

LÚCIO

Tá atrasado.

(Dom começa a espirrar.)LÚCIO

A chuva que te deu esta gripe também atrasou o Bispo.

DOMBispo? Já ouvi falar. Por quê chamam ele assim?

LÚCIODiabos! Sei lá!

DOM

Bem, estou aqui! Qual a minha parte neste latifúndio? O que devo fazer agora?

LÚCIO(Indo se servir.)

Quer tequila? Sabe, roubamos um mercado hoje.(Lúcio mostra a garrafa. Dom faz sinal que não quer.)

LÚCIOQue é isso? Pelos velhos tempos!


DOM

Tá bom!...Pena que não tem sal.

LÚCIO

É...Não tem sal...Vamos ver...

(Mexe novamente nos pacotes de supermercado.)

LÚCIO

Olha...Não esqueci do limão.

(Pega uma faca, Dom se assusta. Em seguida, começa a cortar os limões. Dom sorri nervosamente.)

LÚCIOPronto! Agora é só passar na beira dos copos!...Beleza!...O sal?(Close na carreira de cocaína esparramada sobre a mesa.)

LÚCIO

Aí está o nosso sal! (Vira os dois copos vazios sobre a carreira, de modo que o pó grude nos mesmos. É um procedimento típico do preparo de tequila.)...Feito!...Pega! ...Pega cara! Deixa de marra!... Saúde cara!

DOM

Contamos até três e botamos pra dentro!

DOM E LÚCIOUm, dois, três!(Eles bebem.)

DOMCaracoles!LÚCIOAi!..Queima pra cacete!

DOM

Quando uma garota te deixa depois da transa, senhorita tequila cuida de ‘’usted’’!LÚCIOAAAA, eu sabia! A mina se mandou! Puxa, essa foi embora rapidinho, não durou nem um dia! He!He!

DOMEu...Eu só queria ajudá-la. Só ajudá-la, entende?LÚCIOSei...Mas eu te avisei! Eu te avisei!...Mas fique frio! Deixe a ‘’vagaba’’ pra lá! Vai esquecer da bucetinha quando...

(Close na janela. Chove muito. Close no rosto doentio de Lúcio.)

LÚCIO (Close.)...Quando a gente der um fim nesta maldita chuva!

(Começa a atirar na janela. Close em Dom, que também parece um pouco alterado. Depois dos tiros, close nos vidros quebrados.)

DOM

Hi!Hi! São Pedro nem ouviu os tiros! Hi!Hi! A chuva não parou!(Lúcio mira o revólver em Dom, que pára de rir.)

LÚCIO(Novamente plano médio.)Eu vou rir pra caralho quando seus miolos pintarem todo este andar de vermelho.

DOM

Deixa disso! Deixa disso cara!(Lúcio abaixa a arma. A luz dos raios reflete nos rostos de ambos.)

LÚCIOSabe...A idéia era boa:- Você iria comigo pro Mato Grosso e lá se tornaria meu sócio no contrabando de armas.

(Dom olha para o irmão como se soubesse o que vai acontecer. Lúcio anda lentamente em direção de Dom, que recua.)DOMIrmão...Pára com isso!LÚCIO(Close)

Eu te avisei hoje na praça pra tu não dar as costas pra mim...(Música. Flash-back da cena da praça, quando Dom se negou a participar dos planos do irmão.)

LÚCIO (Voltando ao plano médio.)

...Tua ‘’amarelada’’ mudou meus planos!(Lúcio aplica uma série de golpes marciais no irmão, provocando perda dos sentidos em Dom, que cai de costas.)

LÚCIO (Falando para a câmera.)

Olhe só pra isso! Caído aos meus pés!

(Tira um canivete do bolso. Começa a cortar a camisa do irmão.)LÚCIO (Para o irmão inconsciente.)

Sempre se achou o máximo, não é?...Agora sua pobre vidinha tá em minhas mãos!...Seu grande filho da puta!

(Close. Pega o irmão pelos cabelos.)

LÚCIO(Plano médio.)

Eu...Eu quis você ao meu lado, como irmãos de verdade, mas tu deu as costas pra mim!...Sempre me tratou como se eu fosse um idiota. Quem é o idiota agora, hein? Quem é o idiota?

(Cospe no chão. Passa o canivete nas costas do irmão, ferindo-o e sangrando-o.)

LÚCIO(Para a câmera.)

Mato ou não mato?...Não sei...Acho que vou pedir ajuda pros universitários! Há!Há!Há!...Não tenho estudos, mas e daí?...Quem está por cima agora?

(Lúcio abre a calça.)LÚCIO(Novamente para o irmão.)

Porra mano...Me deu uma baita vontade de mijar!...(Tira o pênis pra fora da calça.) Pô, tu já tá molhado da chuva, acho que não tem problema, tem?...Há!Há!Há! Otário! Tu sempre foi um otário!

(Passos na escada novamente. Lúcio ouve.Travelling em direção ao rosto dele. Ele sorri.)

LÚCIO Bispo!...Bem Dom...Sua grande interpretação de privada vai ter que ficar pra depois.

(Plano médio. Lúcio fecha a calça. Ele tenta esconder o inconsciente Dom. Slow-motion. Surgem então, ambos de óculos escuros e vestidos de negro da cabeça aos pés, Bispo, um sujeito enorme, e uma irreconhecível LEONA.)

LÚCIO

Oi Bispo! Como vai?

(Silêncio. Alternância de closes. Leona não consegue esconder a surpresa de ver Lúcio, que também está muito surpreso por vê-la. Bispo visivelmente estranha a inusitada situação.)

BISPO (Para Leona)

Vocês já se conhecem?

LEONASim...Eu...Eu já vendi uma ‘’magnum’’ pra ele.

BISPO

Mesmo? Espero que tenha feito um preço camarada pro nosso amigo.

LEONACom certeza! Desconto só pra quem merece.

(Bispo observa os pés de Dom, que Lúcio não conseguiu esconder na pressa de fazê-lo.)

BISPO

Ora...Pelo jeito perdemos o melhor da festa Leona!

LÚCIO (Percebendo a mancada.)

Pois é Bispo, tem gente que exagera! (Com cuidado para esconder o ferimento nas costas de Dom, Lúcio mostra o irmão para os dois. Leona se assusta ao vê-lo, Bispo percebe e parece ainda mais incomodado.) Meu irmão, por exemplo...Não sabe beber! Olha só o estado do pinguço!

(Há muita tensão no ambiente.)

BISPO (Para Leona)Verifique o pulso dele.

(Leona permanece imóvel.)

LÚCIO

Que é isso?! O cara tá bem Bispo, eu...

BISPO (Interrompendo)

Acalme-se! Eu só gosto de me assegurar sobre a exclusividade das mortes em meu território....Leona! O que está esperando? Vá verificar o pulso do rapaz!

(Leona vai. Percebe que Dom está vivo e tenta disfarçar o fato de estar mais tranqüila. Bispo a observa atentamente.)

LEONAEle está vivo!

BISPO

Então garoto? Onde está o ´’ pó’’?

LÚCIO

Não sai daí!

BISPOQual é mesmo o seu nome?

LÚCIO

Lúcio!(Tenta pegar a droga, mas o corte no pacote faz vazar o ‘’pó’’.)...Bosta!

BISPOO garoto já trabalhou pra mim, não é?

LÚCIO
Já...Puta que o pariu!

BISPO

O que disse?

LÚCIO

Nada não!...É...Já trabalhei pra ti sim! Tu me pagou pra dar um susto naquele dono de bingo na Rui Barbosa.

BISPO

Lembro disso!...Te paguei pra dar um susto, não pra arrancar um dedo. Eu não contrato rituais. Essa parte é comigo.

LÚCIO (Ainda com dificuldades com os pacotes)

Tem uma coisa que eu sempre quis saber Bispo.

(Leona permanece apreensiva. Bispo tira os óculos.)

LÚCIO

Tu é que sempre faz os serviços. Por quê me pagou pra fazer este?

BISPO

Não é da sua conta, mas vou lhe dizer:- O sujeito era meu primo e estávamos na semana de casamento dele. Portanto...

LÚCIO(Interrompendo)

Entendi! Coisa de família, né?...Droga de pacote!(Bispo, cada vez mais irritado, faz sinal para Leona, que entende e vai até Lúcio.)

LEONA(Falando baixo)

O que você fez com o Dom seu filho da puta?LÚCIO

Quem diria?...Mundo incrivelmente pequeno este! O Dom sabe desse seu lado punk?

LEONA

É claro que não!

LÚCIO

Já imaginou o que pode acontecer se o Bispo souber que tu deu pro meu irmão?

LEONASe contar eu te mato!

LÚCIO

Eu sabia que te conhecia de algum lugar, eu sabia!...Cacete! Tu é o braço direito do Bispo! Que cabeça a minha que não lembrava! É a merda da maconha, sabe?...Olha, aquela ‘’magnum’’ tava com defeito, vou reclamar pro Bispo!

LEONA

Faça isso se quiser tornar este lugar um inferno! Será uma divertida montanha russa antes do seu fim! E acredite, ele está bem próximo!

(Lúcio faz um gesto zombando de Leona.)

BISPO

Não queria incomodar, mas bem que gostaria de participar da conversinha.

(Leona e Lúcio finalmente conseguem levar os pacotes.)

LÚCIOAqui está! Os três quilos combinados!

BISPO

Os três quilos, menos o que vazou no chão. Sem contar a carreira que está ali na mesa.

LÚCIOOlha, Se quiser pesar posso dar um jeito, eu...

BISPO(Interrompendo)

Não! Não!...Não há necessidade! A perda foi insignificante, estou certo....Leona, ponha tudo na maleta. Tem um pacote aí, use pra pôr o saco rasgado. (Leona faz o que ele manda.)...E cuidado pra não desperdiçar mais!...(Para Lúcio.) É melhor que seu irmão esteja assim...Quanto menos testemunhas, melhor!

LÚCIO

Verdade! Muita gente olhando não é bom! (Olha para Leona. Close nela.)

BISPO (Plano médio)

Ela me acompanha sempre nos negócios! É assim que funciona até hoje.

LÚCIO

E então?

BISPOEntão o quê?

LÚCIO

O ‘’tutu’’, a ‘’bufunfa’’, o ‘’faz-me-rir’’?

BISPO

Calma! O garoto terá o que merece! Mas antes...Pode me trazer um copo d’água?

LÚCIO

Um copo d’água?...É pra já! (Vai buscar. Atrapalhado, volta a esconder Dom. ''Close'' na torneira e no copo enchendo de água. Volta com a água.) Toma!

(''Close'' em Bispo que bebe num gole só.)

LÚCIO(Plano médio.)

Puxa cara! Que sede hein?... Claro, do jeito que está quente aqui!

(Close nos olhos de Bispo.)

BISPOQuente? Com esta tempestade e este vento gelado?...Calor? Olha Lucas...

LÚCIO(Plano médio. Interrompendo.)

É Lúcio!

BISPOEntão...Olha Lúcio...Por quê acha que uso este sobretudo?

LÚCIO

Sei lá...Nos filmes os gangsters sempre se vestem assim deste jeito!...O Bispo sabe...Os chefões...No frio ou no calor sempre se vestem assim.

BISPO

É verdade...Você já tinha reparado nisto Leona?

LEONANão, nunca!BISPO

Obrigado pela água garoto!...Veja só! Os chefões sempre se vestem assim...Boa, boa...Como naquele filme, ‘’Os Intocáveis’’. Eu mesmo já assisti umas três vezes! He!He!...Temos aí um fato!...Mas, pelo que me consta, hoje faz muito frio! É essa a única razão de eu estar de sobretudo!

LÚCIO

Pois é...Cada um é cada um!(Bispo devolve o copo.)

BISPOMinha garganta é uma merda, sabe? Tenho um pigarro que herdei de meu pai. E sempre tomo um copo quando vou falar demais.

LÚCIO

Falar demais? Claro! Vamos falar de ‘’bufunfa’’, não é?

BISPO(Rindo)

Espirituoso o rapaz! Não acha Leona?

(Leona dá um sorriso amarelo.)

LÚCIOEu? Espirituoso? Que nada! Não acredito nessas coisas! Minha mãe era evangélica. Me disse uma vez que essa religião...

BISPO(Interrompendo)

Quer fechar esta maldita matraca?

LÚCIOMas...

BISPOUltimamente cada um que me aparece.

LÚCIO

Pô Bispo?!...Que que tá pegando meu irmão?

BISPO

Bufunfa...O garoto quer falar de bufunfa...Que seja...Bem, pelos meus cálculos, a ‘’farinha’’ toda deve ficar por uns trinta e seis mil!

LÚCIOQuarenta mil!

BISPOComo?LÚCIO

Eu andei pesquisando.

BISPOSei...Já que é assim, deve ter uma vaga noção do que aconteceria se três quilos de pó sumissem das mãos do dono.
LÚCIOAlguém teria uma baita dor de cabeça. AAA, teria!

BISPO(Se aproximando lentamente de Lúcio, que recua assustado.)

Exato! Agora imagine que a mesma mercadoria seria vendida pro seu melhor cliente do Paraguai e que, no desaparecimento da mesma, perdido estaria o seu contato mais lucrativo da América do Sul. Em outras palavras, uma falha dessas faria com que este cliente paraguaio nunca mais comprasse com o mesmo fornecedor. Faz idéia do prejuízo?

LÚCIO

Um pouco.

BISPOUm pouco? Vamos ‘’clarear’’ suas idéias:- Cem mil dólares por mês!LÚCIO

Tá aí uma bolada!

BISPOCertamente...

(Flash Back do estupro feito por Lúcio e Loro. Vemos a imagem de Lúcio esfaqueando a garota e achando os três quilos de drogas.)

BISPO(EM OFF)

...Agora, vamos supor que o causador desse enorme prejuízo fosse um desgraçado de um garoto de merda que, querendo ‘’comer’’ de graça uma de minhas meninas...’’comer’’ não, estuprar é a palavra, acabou por esfaquear o meu ‘’avião’’ de saias que levava a droga pro Villa Nova, o próprio cliente paraguaio. Não satisfeito, roubou a bolsa da menina com os três quilos de pó que estavam dentro. Essa história lhe parece familiar?

LÚCIOMas quem foi o maldito ‘’cagueta’’?

BISPO( Plano médio)
É um pouco tarde pra aprender, mas um assassino profissional quando esfaqueia a vítima, deve acertar numa veia do pescoço ou, é claro, direto no coração. O garoto não acertou nem um, nem outro....Seu amadorismo me enoja!

LÚCIO

Mas eu vi! Eu matei! Ela não se mexia! Aquele sangue todo! Maldição! Como pode?

BISPOPra uma menina com doze perfurações no corpo, fingir de morta não é tão complicado. O resto foi rápido!...Francamente, jogá-la numa propriedade particular às margens da BR foi uma cretinice!

(Flash Back de vários momentos: - O fazendeiro encontrando a garota; bombeiros a colocando na ambulância; o policial corrupto reconhecendo-a e ligando para Bispo e, finalmente, a cena em que Bispo e o policial entram no quarto e olham para o rosto da garota cheio de curativos.)

BISPO (EM OFF)

...Acharam ela, foi internada no Evangélico...Sabe...Eu tenho meus contatos na polícia, já fui um deles. Um policial investigador, contato meu, me levou até o hospital. Lá ela me contou tudo!...Sem o nariz, garoto maldito, ela não vai fazer mais programas, acredite!

(Volta ao tempo presente. Plano médio.)

BISPOSabe o que me revolta mais? É a falta de técnica, de estilo! Matar é uma arte que você não domina! Se tivesse feito a coisa certa, talvez, com alguma sorte, eu não te descobrisse com a minha mercadoria....Sei de tudo o que acontece em Curitiba, mas, se você fosse profissional, talvez saísse limpo da jogada. Pena que não vai viver pra aprender.

LÚCIOBispo, eu...

BISPO(Interrompendo)

...O garoto é mais bonito pessoalmente do que no retrato falado que providenciei. Cadê o seu amigo que te ajudou? Ela me contou que ele também participou da festinha do estupro....Eu...Eu creio que te acharia de algum jeito, mas que bom que você ligou pra um de meus homens. Isso facilitou muito as coisas....Aí, fui juntando os fatos! Tão, mas tão vivo e esperto que agora vende o pó de volta pro próprio dono!...Este bairro é um de meus territórios na cidade. Mundo pequeno e breve para os estúpidos!

LÚCIOEntenda cara! Como poderia saber? Como?

BISPOA garota, a droga! Propriedades minhas!

LÚCIO

Puta que o pariu! Foi um grande mal entendido!

BISPONa minha carreira, eu nunca cometi males entendidos. Nunca fui um ladrãozinho amador e barato como você! Leona!

(Close no olhar de Leona tentando esconder o nervosismo.)

BISPO (Plano médio.)

Devo dar o privilégio de mostrar a ele porquê sou chamado de Bispo?

LEONA

Talvez...

BISPO

Talvez? A gata está muito titubeante hoje.

LÚCIO

E ela não é quem parece ser Bispo!

LEONAFilho da puta!

BISPODeixe que com ela eu me entendo. Além do mais, o garoto já se meteu demais com mulher que me pertence, não acha?

LÚCIO

Eu não sabia cara! Eu não sabia!

BISPO

Particularmente não gosto de ser chamado de Bispo. Soa...religioso demais! Entende o que digo? (Lúcio permanece em silêncio. Bispo grita.) Entende o que digo?

LÚCIO

Entendo! Entendo!

BISPOtenho certeza que o garoto entende. Bem, chega de papo! (Saca a arma.)

LÚCIO

AAA, não mesmo!

(Lúcio tenta pegar sua arma que está junto à janela, mas Bispo é mais rápido e acerta um tiro em sua perna.)

BISPOIsso! De joelhos garoto!

LÚCIO

Por favor, não me mate! Arght!!

BISPOAdoro quando imploram!...Está bem! Não vou atirar de novo. (Guarda a arma.)

LÚCIO

Obrigado Bispo! Obrigado!

BISPOOnde é que eu estava?...AAA, sim! Estava explicando ao garoto porque me chamam de Bispo. Bem, em primeiro lugar:- Acho que ninguém nunca entendeu direito esta cruz de cabeça pra baixo que eu tenho tatuada em meu peito.(Close rápido na tatuagem.)...Em segundo lugar:- Minhas vítimas Têm o estranho hábito de ficar de joelhos e pedir perdão pelos pecados antes de morrer!(Close rápido em Lúcio ajoelhado.) E em terceiro lugar:- Como todos nós já sabemos, um Bispo, na Santa Igreja Católica, manda bem mais que um simples padre. Compreende? É como uma cadeia alimentar, um ciclo, uma hierarquia! Afinal, as coisas não são assim na rua? Responda quando lhe faço uma pergunta garoto! (Bate em Lúcio.)

LÚCIOSão Bispo! São!BISPO(tirando uma adaga do colete.)

Olha só! Que beleza! Quando estive na Espanha recebendo o pagamento de umas meninas que eu mandei pra lá, ganhei essa adaga de presente de um sócio. (Close rápido na adaga.) É de origem moura, sabia?...Os mouros são os muçulmanos que invadiram aquele país no século...

LÚCIO (Interrompendo)

Foda-se sua lição de história! Acabe com isso de uma vez!

BISPOPeça perdão pela sua cagada garoto!

LÚCIO

Vá pro inferno cara!BISPO(Acertando outro tapa em Lúcio.)Seja humilde, se não sua penitência aumenta.

LÚCIOPerdão Bispo! A culpa é minha! Eu errei! (Cospe em Bispo.)

BISPO(Limpando o rosto.)

O garoto está me dando muito trabalho! Mas como quem vai ficar ao lado esquerdo de satã serei eu, não tornarei sua morte mais honrosa! (Corta a garganta de Lúcio, matando-o imediatamente. Em seguida, executa um gesto que parece o sinal da cruz invertido.)...Adoro essa parte!...(Para Leona)...Quanto aos pacotes do pó...Não quero mais que o M.C. Pauleira faça os embrulhos. Não sabia que estava usando plástico de qualidade duvidosa.(Leona pega os pacotes, sempre atenta a Dom. Imagens dos corpos de Lúcio e Loro.)...Como me sinto bem aqui! É o maravilhoso cheiro de sangue no ar!

LEONAJá temos o pó de volta. Não há mais nada pra fazer aqui! Vamos embora!

BISPOAA, temos sim! (Vai até Dom e aponta a arma para a cabeça dele.)

LEONA(Close.)Ele...Ele não viu e nem ouviu nada. Pra quê perder munição com à toa?

BISPO (Plano médio.)

Não pretendo matá-lo até saber qual é seu envolvimento com ele.

LEONADeixe de bobagem! Guarde a arma e vamos embora!BISPO (Pegando-a pelos cabelos.)

Sua vagabunda! Que papo é esse que você não é o que parece? (Dom desperta aos poucos.) Vai me contar esta história ‘’tim-tim’’ por ‘’tim-tim’’, se não quiser acabar pior do que o garoto ali! (Referindo-se a Lúcio. Imagem dele morto.)

LEONA(Plano médio.)

Chega! Chega de me bater Bispo!BISPOCadela! O quê esconde de mim, hein? Hein? Fala logo desgraçada! Fala!

DOM(Ainda tonto.)Tira as mãos dela safado!

LEONADom...Fique fora disso! Fuja! Fuja!

BISPOOra...A bela adormecida despertou finalmente!

DOM

O que faz aqui Leona? O que está acontecendo?

LEONAPelo amor de Deus Dom, saia daqui!

DOM

Lúcio!(Dom vai até ele.)...Lúcio! Ele está morto!

BISPODigamos que ele partiu dessa para pior! Há!Há!Há! (Bispo se aproxima de Dom.) Que acha? Fiz um bom serviço?...Não se preocupe, você fará companhia!

(Aponta a arma para a cabeça de Dom.)LEONANÃÂÂÂÂOOOO!!!

(Leona avança sobre Bispo e acaba levando um soco dele. Dom ataca Bispo, mas é derrubado com poucos golpes.)

BISPO(Cheirando Dom, que está caído novamente.)

Eu sabia! Foi esse cheiro que senti em você hoje! Foi me trair com isto? Que perda de tempo.
LEONA

Perda de tempo? Hoje ele me deu prazer como você nunca foi e nem será capaz de dar!...Como foi gostoso me deitar com ele!

(Bispo aplica vários golpes em Leona.)

BISPO

Foi gostoso? Mesmo? Deve ficar lindo vocês dois juntos, deitados um do lado do outro, cada um em seu caixão!

(Aponta novamente a arma para a cabeça de Dom.)

LEONAVai matá-lo assim? E o ritual?

BISPOTem razão! É mais fácil fazer você ajoelhar!

(Música. Bispo atira em Leona, mas ela consegue pular atrás de uma parede. Bispo consegue apenas dar três tiros.)

BISPO

Droga! O incompetente do M.C. Pauleira também esqueceu de recarregar a arma! Merda! Merda!

LEONA(Saindo de trás da parede.)

Sem munição querido?

BISPOSabe que não! Esqueceu que tenho porte de arma por dominar as grandes artes? Simplesmente adoro matar com as mãos!

LEONAJudô, Jiu-Jitsu, Krav Magá...Devo admitir...Seu currículo não é nada mal!

BISPO

Obrigado! Elogios fazem bem ao ego.

LEONAMas quero ver você entrar na roda.

BISPOHá!Há!Há! Você está falando de capoeira? Minhas surras ainda não te conveceram que eu sempre levo a melhor?

LEONAAdmita! Os meus chutes doem um bocado, não?

BISPOSinceramente, nada que perturbe!

LEONACerteza?BISPO

Você ainda não aprendeu qual é o seu lugar, não é?

LEONAO meu lugar é com os pés em cima de sua cabeça!

BISPOPor quê não tenta?

LEONADesta vez vou arrancar sangue desta sua cara desgraçada!

BISPO

Vejo que escolheu sua forma de morrer!

(Se preparam para a luta.)

BISPOSe você se importasse com sua filha como se importa com aquele sujeito.(Close em Dom caído.)

LEONA(Plano médio.)

Miserável! Não sabe nada sobre mim!

BISPO

Sei que sofreria muito se algo acontecesse com ela.

LEONASe tocar num fio de cabelo dela eu te mato!

BISPOVocê me excita tanto quando fica com raiva. A sua filha também me deixa de pau duro quando se irrita comigo!

(Close nos olhos de Leona.)

BISPO(Plano médio.)

E como ela fica nervosinha quando toco nela.

LEONA(Close.)

Seu desgraçado!

(Plano médio. Música. Começa a luta. O domínio técnico de Bispo proporciona a ele larga vantagem no combate. Leona desfere alguns golpes, mas a vantagem de Bispo é clara e ampla. Finalmente, extremamente cansada, Leona cai. Sua boca sangra.)

BISPOÉ muito divertido treinar com você! Estou enganado ou quem arrancou sangue aqui fui eu?

LEONAMaldito!BISPOO que foi? Cansou?

(Ela tenta reagir, mas Bispo aplica-lhe novo golpe. Ela sangra ainda mais.)

LEONA

Eu acabo com você Bispo! Eu acabo!

BISPO

Gata, como é difícil te domar! Leoa!...Leoa Selvagem! Bater em você me dá tesão sabia? Mas têm umas coisas nesta vida que me desanimam. Por exemplo:- Fiquei sabendo que o assalto em nossa carga perto de Cascavel foi obra sua!LEONAParabéns pela descoberta!

BISPO(Pegando-a novamente pelos cabelos.)Eu acabo descobrindo tudo, de um jeito ou de outro! E faz tempo que estou de olho em suas traições! Achou mesmo que eu não saberia?

LEONA

Deixe disso Bispo! Aquela carga era insignificante pra você! Eu tava precisando da grana e você não me pagava. Quem traiu quem?

BISPOQuem o contratou pagou bem pelo menos?

LEONAMe solta!

BISPONós nunca admitimos isso um pro outro, mas no fundo você sempre soube que sua fidelidade significava a vida de sua filha! Não é verdade?

LEONAVocê não teria coragem!

BISPOSinceramente, não sei se os gritos que ela deu antes de morrer foram de prazer ou de dor!

(Leona grita desesperadamente. Música. Ela consegue também soltar-se de Bispo. Leona volta a lutar com toda sua fúria. A ira faz com que ela aplique golpes mais fortes em Bispo, ferindo-o e derrubando-o . Ele tenta levantar, ficando de joelhos. Leona tira do colete de Bispo a adaga espanhola. Breve close em Dom que volta a si novamente.)

LEONA(Close.)

Uma morte profissional é uma facada certeira no coração!

(Plano médio. Leona mata Bispo. Em seguida, vai até a arma de Lúcio que estava perto da janela e aponta contra a própria cabeça. Dom, já de pé, tenta impedir o pior.)

DOM

Leona, não faça isso!

LEONAMinha filha Dom...Está morta! Morta!...A culpa é minha!...Minha doce Beatriz!Meu Deus!

DOM

Olha, eu não sei o que está acontecendo, não sei o que você faz aqui, pra mim tudo isto é uma grande loucura...Mas, por favor, chega de mortes por hoje, certo?

(Closes alternados nos rostos de Loro, Lúcio e Bispo.)

LEONA(Plano médio. Ainda com a arma apontada contra si, delirante.)

Minha boneca de porcelana...O que fizeram contigo meu anjinho? ...Beatriz!!

DOM

Me escuta Leona! Eu imploro! Não faça esta besteira! Não...Não me deixe sozinho de novo! Não deste jeito!

LEONAContinuar viva?! Pra quê?

DOM

Eu...Eu me importo! Eu...Eu...

(Música. Leona chora muito.)
DOM
Sabe...Sonhei com sua filha sim, mas também tive um outro sonho. ...(Close breve em Leona.) Sonhei que eu e você estávamos numa praia linda, assim como Fernando de Noronha, acho até que era lá. No sonho estávamos casados e olhando para o mar...Uma menina recolhia conchas a poucos metros da gente. Talvez...Talvez eu consiga ver o futuro também Leona. Que acha?LEONA(Ainda com a arma na cabeça.)

Acho que você está maluco!DOM

Não sou eu que estou com uma arma na cabeça.

LEONADomênico...Me ajuda!

DOM

Me dá esta arma Leona! Me dá! Já tô me mijando todo!

LEONAMinha filha...Minha filha Dom...

DOM

Numa praia recolhendo conchas...Olha Leona...Já perdi meu irmão. Chega por hoje!LEONAVocê...Você cuidaria de mim?

DOM

Isso é tudo o que eu quero! Você precisa deixar!

(Breve silêncio. Finalmente Leona tira a arma de sua cabeça e a entrega a Dom.)

LEONADomênico!

(Ela abraça Dom fortemente.)

DOMEstá tudo bem! Tudo bem Leona! Tudo bem!

CORTE.

19. INTERIOR/ NOITE. MESMO ANDAR DA CONSTRUÇÂO. DOM PUXA O CORPO DE LORO PARA PERTO DOS OUTROS MORTOS. LEONA DORME.

(Dom fica observando os corpos de Bispo, Loro e Lúcio por um tempo. Agacha-se em seguida para perto de seu irmão morto.)

DOM

Não sei como escapei desta carnificina....Lúcio...Não tinha que acabar assim cara, não tinha!...Tudo errado! Deu tudo errado!

LEONA(Acorda gritando.)Beatriz! Beatriz!

DOM(Abraçando-a)Calma Leona! Calma!...A sua pequena está viva, eu sei, e nós vamos atrás dela!

LEONANão brinque com isso não! Não tem graça! O desgraçado disse que a matou!

DOMVocê acredita nele ou em mim?

LEONAVamos embora daqui! Agora!

(Novas imagens dos mortos.)

DOMPor quê não me contou tudo? Por quê mentiu sobre o seu ‘’trabalho’’? Não me contou sobre ele?(Imagem de Bispo.)

LEONATinha medo das conseqüências! Não achava justo que você se envolvesse nesta sujeira toda.

DOMMas eu já estava envolvido desde o instante em que você bateu em minha porta!...Então...As brigas no seu apartamento eram com o Bispo!

LEONA(Pisando na cabeça de Bispo.)

Como sofri com este imundo, vivia como escrava! Faz um ano que tô tentando cair fora deste esquema todo de narcotráfico, prostituição e contrabando de armas. Agora que ele está morto, não quero nem imaginar a briga pelo poder na cidade. ...Olha Dom, não me julgue!DOMEu não estou te julgando!

LEONAEu tive medo que ele fizesse algo coma a minha filha. Nunca consegui tirá-la daquela fortaleza!... Muito esforço por nada!

(Leona chora. Tira uma presilha com a forma de um golfinho do bolso.)

DOMÉ de sua filha?...

(Leona continua olhando para a presilha.)

DOM

E...E o pai...Quem é o pai dela?LEONAEu verei vocês juntas ainda! Você e sua filha. Palavra!

LEONAA melhor hora do dia era quando eu contava histórias para ela dormir.

(Dom sorri.)LEONAVocê salvou a minha vida hoje meu doce Domênico!

DOM

E você a minha!...Bom...Foi este fim que você viu em minha mão?LEONAFim? Eu não vi fim nenhum em suas mãos! Além do mais...Será que as coisas que vi você já nãos sabia? Estas suas visões...Estes sonhos...São uma espécie de...de...

DOM

De Dom você quer dizer!

LEONA

É...Isso mesmo!

DOMQue coisa louca. Você lê mãos, eu, sonhos telepáticos, paranormais!...Bem, pelo menos é o que parece.

LEONAEntão seu irmão tinha negócios com o Bispo...

DOMMundo incrivelmente pequeno este.

LEONACuritiba é menor do que se imagina.

DOM

E o que faremos com a maldita coca?

(Imagem da droga.)

LEONA

Agora não tenho cabeça pra pensar nisso...Mas tenho meus contatos, talvez possamos vender...Mas não quero saber disso agora!

(Dom olha pela janela. Imagem da lua cheia. O céu está limpo, sem nuvens.)

DOM(Plano médio.)

O tempo melhorou muito. A lua está linda!

LEONAMe diz uma coisa Domênico!DOM

O quê?

LEONAO sonho...A praia...Eu e você casados...Você estava falando sério, não estava?

DOM

Pra você ficar viva e bem, eu diria qualquer coisa.

(Silêncio. Os olhos de Leona começam a lacrimejar.)

DOM

Ô Leona! Não fica assim! É claro que falei sério! Acha que eu brincaria com uma coisa dessas? Eu sonhei sim, e vi nós três:-Eu, você e Beatriz.

(Breve imagem do sonho acima descrito.)

LEONA(Plano médio.)

Sei...Agora vamos embora Dom! Vamos embora!DOM

Que horas são?(Close no relógio de Leona apontando meia-noite.)

LEONA(Plano médio.)Meia-noite. Por quê?

DOMNada não!... Bem...Nem um enterro decente meu irmão terá.

(Flash-Back. Breve imagem de Dom e Lúcio na infância, jogando bola.)

LEONA(Plano médio.)

Alguém pode chegar a qualquer momento...A polícia talvez...Vamos embora! Temos que achar Beatriz, não é isso?

DOM(Ainda olhando para o irmão morto.)Mas...

LEONAAcabou Domênico, acabou!...Faz frio lá fora e quanto mais tarde sairmos pior.

(Leona pega na mão de Dom. Imagem dos três mortos. Leona e Dom descem pelas escadas correndo.)

DOM(EM OFF)Hoje à tarde o vento estava cortante Leona!

LEONA(EM OFF)Não está mais Dom, não está mais!

(Música. Os dois descem, saem do prédio. Vêem o cachorro morto no caminho. Pulam as grades e saem correndo pela rua. Travelling. Close no rosto dos dois, que sorriem. )

DOM(EM OFF)O clima de Curitiba...Nunca é o que prevemos....Leona, assim que acharmos sua filha as duas ouvirão juntas os meus CDs, assistirão também as minhas peças, quem sabe!

LEONA(EM OFF)

Se Beatriz realmente estiver viva, como você diz.

(Imagem panorâmica da rua em que os dois correm. A lua brilha como nunca.)

DOM(EM OFF)Primeiro de setembro...Definitivamente, não resta a menor dúvida, deixo pra trás este negócio de falar sozinho e tola rotina!!

(Música. Imagens panorâmicas de Curitiba. Desta vez das ruas, praças e prédios mais belos da cidade.)

(Corte. Créditos finais.)



F I M



Curitiba, 08 de Setembro de 2003.

22: 35 h.